Tema 1283: STJ restringe acesso ao PERSE a empresas inscritas no CADASTUR e fora do Simples
- Benites Bettim Advogados
- 12 de jul.
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Decisão em um parágrafo
Em 11 de junho de 2025, a Primeira Seção do STJ julgou sob o rito dos repetitivos seis recursos especiais envolvendo a aplicação da Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) e fixou, por unanimidade, as seguintes teses no Tema 1283: (i) para ter acesso à alíquota zero de PIS/Cofins, CSLL e IRPJ prevista no art. 4º da Lei 14.148/2021, o contribuinte deve estar regularmente inscrito no CADASTUR na data de 18 de março de 2022; (ii) empresas optantes pelo Simples Nacional não fazem jus ao benefício fiscal, diante da vedação expressa constante no art. 24, § 1º, da LC 123/2006.
A quem essa decisão interessa
A tese firmada pela Primeira Seção atinge de forma decisiva empresas do setor de eventos que buscaram no PERSE uma forma de compensar os prejuízos causados pela paralisação econômica durante a pandemia. Parte expressiva desses empreendimentos (casas de shows, buffets, organizadores de congressos, empresas de montagem de estruturas e locação de equipamentos) atuava sem inscrição formal no CADASTUR, ainda que classificadas em CNAEs compatíveis com a cadeia produtiva do turismo. Com a decisão, a ausência de registro regular no cadastro oficial do Ministério do Turismo, na data de 18 de março de 2022, torna-se impeditivo absoluto ao aproveitamento das alíquotas zero de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.
Outro grupo diretamente afetado é formado por microempresas e empresas de pequeno porte que optaram pelo Simples Nacional e vinham buscando o benefício sob o argumento de equidade econômica. A decisão reafirma que a escolha pelo regime simplificado, ainda que legítima, implica renúncia a outros incentivos fiscais, mesmo quando criados por leis emergenciais e de caráter excepcional. Para esse universo de contribuintes, o precedente representa o fim da controvérsia e consolida uma leitura restritiva que impede qualquer tentativa de conciliação entre os dois regimes tributários.
Contexto fático-jurídico
Criado como medida excepcional para mitigar os efeitos econômicos da pandemia sobre o setor de eventos, o PERSE estabeleceu, entre outros incentivos, alíquotas zero de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins para atividades diretamente ligadas à cadeia do turismo, cultura e entretenimento. A redação original da Lei 14.148/2021, entretanto, deixou lacunas quanto aos critérios de enquadramento, o que deu margem a diferentes interpretações sobre a amplitude do benefício. De um lado, contribuintes passaram a sustentar que a vinculação da atividade econômica a determinados códigos CNAE seria suficiente para garantir o direito à tributação favorecida. De outro, a Receita Federal e o Ministério do Turismo defenderam a exigência de inscrição prévia no CADASTUR como condição objetiva e eliminatória para a fruição do incentivo.
A divergência se intensificou com a edição da Medida Provisória 1.147/2022, posteriormente convertida na Lei 14.592/2023, que positivou a necessidade de regularidade cadastral no CADASTUR até 18 de março de 2022 como critério de habilitação ao PERSE. No mesmo período, um número crescente de empresas optantes pelo Simples Nacional passou a ajuizar ações com o objetivo de estender a elas os mesmos benefícios, sob alegação de que a natureza emergencial da norma justificaria a superação da vedação de cumulação prevista na LC 123/2006. A ausência de uniformidade nas decisões judiciais de primeira e segunda instância contribuiu para o acúmulo de processos e a insegurança jurídica sobre o alcance real do programa.
O julgamento do Tema 1283 no STJ surge, assim, como resposta à necessidade de pacificar essas controvérsias e delimitar os contornos normativos do PERSE. Ao vincular o benefício fiscal à comprovação de inscrição regular no CADASTUR e afastar sua aplicação às empresas do Simples Nacional, a Primeira Seção dá resposta definitiva a dois dos pontos mais controversos na interpretação da legislação emergencial pós-pandemia.
O que o STJ levou em conta
Ao julgar o Tema 1283, a Primeira Seção não partiu de uma leitura isolada da Lei do PERSE, mas da necessidade de harmonizar dispositivos dispersos que, em conjunto, definem os contornos de quem poderia (e em que condições) acessar o benefício fiscal. No centro da análise, esteve a articulação entre o art. 4º da Lei 14.148/2021 e o arcabouço normativo do turismo nacional, especialmente os arts. 21 e 22 da Lei 11.771/2008. A interpretação predominante foi a de que o CADASTUR não é um cadastro meramente formal, mas o elemento jurídico que atesta o vínculo efetivo da empresa com a cadeia produtiva do turismo.
Além disso, o Tribunal valorizou a previsibilidade administrativa na aplicação do benefício. Desde a edição do PERSE, o Executivo vinha condicionando a fruição dos incentivos fiscais à inscrição prévia e regular no CADASTUR, o que foi posteriormente positivado na Lei 14.592/2023. Para os ministros, esse critério não constitui inovação ilegítima, mas desdobramento lógico da exigência de que os beneficiários fossem, de fato, prestadores de serviços turísticos, e não apenas integrantes indiretos da economia do setor.
Quanto aos optantes do Simples Nacional, o STJ reafirmou que o regime simplificado é excludente por natureza. A norma do art. 24, § 1º, da LC 123/2006 estabelece uma vedação estrutural à cumulação com outros incentivos fiscais. A Lei do PERSE, por mais emergencial que seja, não tem o condão de afastar esse limite, sobretudo porque os contribuintes escolhem voluntariamente o Simples e, com ele, aceitam suas limitações.
Por fim, a Corte também levou em conta o risco de ampliação indiscriminada do alcance do PERSE. A ausência de critérios objetivos (como o CADASTUR) abriria caminho para interpretações expansivas, tornando o benefício vulnerável a usos descolados de sua finalidade original: o apoio ao núcleo duro da economia de eventos e turismo, diretamente atingido pelas medidas de isolamento durante a pandemia.
Efeitos imediatos para operadoras e contratantes
A partir do julgamento do Tema 1283, duas categorias de empresas passam a enfrentar limites objetivos para usufruir dos incentivos fiscais do PERSE. De um lado, os estabelecimentos que atuam em ramos potencialmente ligados ao turismo, como restaurantes, bares, cafeterias, locadoras de equipamentos e espaços para eventos, só poderão acessar o benefício se estiverem regularmente inscritos no CADASTUR na data de referência fixada pela legislação. Isso afasta qualquer alegação genérica de pertencimento ao setor com base apenas em atividade-fim ou CNAE compatível.
De outro, as micro e pequenas empresas optantes do Simples Nacional ficam formalmente excluídas do regime fiscal diferenciado previsto no PERSE, independentemente da natureza da atividade que exerçam ou do impacto que sofreram durante a pandemia. A escolha prévia pelo regime simplificado, que impede a cumulação com outros benefícios tributários, prevalece mesmo em contextos de excepcionalidade econômica ou social.
Na prática, a decisão do STJ consolida uma barreira de acesso baseada em critérios formais e preexistentes, resgatando o papel do CADASTUR como elemento central para a política pública voltada ao turismo. Ao mesmo tempo, reafirma a rigidez das vedações do Simples Nacional, ainda que isso inviabilize a permanência de pequenos negócios no PERSE, e, por consequência, a devolução de tributos recolhidos ou o uso de créditos tributários.
Confira a decisão na íntegra: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202400098796&dt_publicacao=18/06/2025
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