STJ limita cobrança de demurrage ao valor do contêiner, salvo prova de danos adicionais
- Benites Bettim Advogados
- 30 de set.
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Decisão em poucas palavras
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.577.138/SP e por unanimidade, reconheceu que a cobrança de sobre-estadia de contêineres (demurrage), quando prevista contratualmente em valor fixo, possui natureza de cláusula penal.
Nessa condição, pode ser reduzida judicialmente quando manifestamente excessiva, nos termos do artigo 413 do Código Civil.
O colegiado definiu que a cobrança deve se limitar, como regra, ao valor equivalente do próprio contêiner, salvo comprovação de danos materiais adicionais, sob pena de desequilíbrio contratual e enriquecimento sem causa.
A quem essa decisão interessa
A decisão proferida no REsp 1.577.138/SP afeta de forma direta as companhias de navegação e armadores, que tradicionalmente inserem a cobrança de sobre-estadia como cláusula nos contratos de transporte internacional. Para essas empresas, a limitação da demurrage ao valor do próprio contêiner representa mudança relevante, pois reduz a margem de cobrança em caso de atraso na devolução e impõe a necessidade de comprovação de danos adicionais para justificar valores superiores.
Do outro lado da relação contratual, importadores, exportadores e operadores logísticos também são impactados. Esses agentes, responsáveis pela devolução dos contêineres, passam a contar com um parâmetro objetivo fixado pelo STJ, o que pode reduzir significativamente os custos de litígios em situações de atrasos que, muitas vezes, decorrem de fatores alheios ao seu controle, como congestionamentos portuários ou entraves aduaneiros.
O alcance da decisão é ainda mais amplo, pois envolve todo o ecossistema do comércio exterior. Transportadoras terrestres, terminais portuários e intermediários contratuais que participam da cadeia de movimentação de cargas podem ver repercussões práticas, uma vez que a previsibilidade sobre o valor máximo da demurrage facilita a negociação e a gestão de riscos contratuais.
Contexto fático-jurídico
O processo teve origem em ação de cobrança fundada na alegação de atraso na devolução de contêineres utilizados em transporte marítimo. A parte autora defendeu que o contrato previa o pagamento de diárias pelo período excedente ao prazo de utilização e que essa cobrança refletia prática usual do setor.
O juízo de primeira instância julgou procedente o pedido, entendimento que foi mantido em apelação pelo Tribunal de Justiça local. O acórdão destacou que a cobrança pela sobre-estadia de contêineres possui respaldo nos usos e costumes comerciais e não poderia ser considerada abusiva apenas em razão de seu montante.
No recurso especial, a parte recorrente sustentou, em primeiro lugar, cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de provas requeridas. Argumentou, ainda, que a cobrança de demurrage teria natureza de cláusula penal e, nessa condição, deveria permitir redução judicial quando considerada manifestamente excessiva, nos termos do artigo 413 do Código Civil. Também contestou a possibilidade de estipulação unilateral dos valores pela transportadora.
Após a apresentação de contrarrazões, o recurso foi admitido na origem e remetido ao Superior Tribunal de Justiça, que passou a examinar os limites jurídicos da cobrança e a possibilidade de sua adequação em caso de desproporção com o prejuízo efetivamente comprovado.
O que o STJ levou em conta
A Quarta Turma analisou a controvérsia sob dois prismas principais: a natureza jurídica da sobre-estadia de contêineres e a possibilidade de limitar o valor cobrado. Embora a jurisprudência tradicional do STJ apontasse a demurrage como indenização, o colegiado destacou que, na prática, essa cobrança decorre de cláusula contratual em valor previamente fixado, o que a aproxima da cláusula penal prevista nos artigos 408 a 416 do Código Civil.
Reconheceu-se que a indenização prefixada deve observar o princípio da modicidade, previsto no artigo 413 do Código Civil, permitindo a redução quando a quantia se mostrar manifestamente excessiva ou desproporcional ao prejuízo sofrido. Para os ministros, limitar a cobrança ao valor do próprio contêiner, salvo prova de danos materiais adicionais, preserva o equilíbrio contratual e evita enriquecimento sem causa.
No caso concreto, verificou-se que o montante cobrado era inferior ao preço de um contêiner novo, revelando-se compatível com a função indenizatória da cláusula contratual e afastando a necessidade de redução. Assim, o recurso especial foi negado.
Consequências práticas da decisão
O entendimento firmado pela Quarta Turma estabelece um parâmetro objetivo para as disputas envolvendo sobre-estadia de contêineres, reconhecendo que a cobrança tem natureza de cláusula penal e, por isso, pode ser reduzida judicialmente quando manifestamente excessiva. Esse enquadramento aproxima a prática do transporte marítimo das regras gerais de direito contratual, fornecendo maior segurança às partes que negociam cláusulas de demurrage.
Ao fixar como limite máximo o valor do próprio contêiner, salvo prova de danos adicionais, o STJ evita que a penalidade se converta em instrumento de enriquecimento sem causa e assegura a preservação do equilíbrio contratual. A decisão reforça, assim, a aplicação do artigo 413 do Código Civil a contratos de transporte internacional, em consonância com os princípios da modicidade e da função social.
Além disso, a decisão reafirma que a simples previsão contratual de valores não impede o controle judicial de proporcionalidade, mas também reconhece que, em hipóteses nas quais o montante cobrado esteja abaixo do custo de reposição do equipamento e não haja comprovação de prejuízos adicionais, não se justifica a redução. Trata-se, portanto, de precedente que consolida a racionalização do debate sobre a demurrage e orienta futuras demandas em matéria de transporte marítimo.




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