STJ afasta incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre indenização securitária por sinistro de bens do ativo imobilizado
- Benites Bettim Advogados
- 29 de jul.
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Decisão em um parágrafo
Em 28 de maio de 2025, a Segunda Turma do STJ, por unanimidade, concluiu no AgInt no REsp 2.140.074/SP que não incidem IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre valores recebidos a título de indenização securitária por sinistros com veículos do ativo imobilizado de locadora de automóveis. A Corte entendeu que esses valores possuem natureza de recomposição patrimonial, e não de acréscimo patrimonial ou receita, afastando-os da regra matriz de incidência dos tributos mencionados. Embora contabilmente registrados como receita, esses montantes não configuram renda tributável à luz do art. 43 do CTN nem se enquadram como faturamento ou receita bruta, devendo, por isso, ser excluídos da base de cálculo dos tributos federais em questão.
A quem essa decisão interessa
A tese fixada pela Segunda Turma interessa, de forma imediata, a empresas locadoras de veículos que operam com frotas próprias e contratam seguros para cobertura de danos aos bens do ativo imobilizado. Ao afastar a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre os valores recebidos a título de indenização securitária, o STJ delimita com maior precisão o que pode (e o que não pode) ser considerado receita tributável no contexto de operações patrimoniais não negociais. Essa orientação tende a repercutir especialmente sobre estruturas empresariais que fazem da proteção securitária uma frente relevante de mitigação de riscos operacionais, como holdings patrimoniais, concessionárias de frota e companhias com grande exposição física ao sinistro de bens duráveis.
Também interessa a outros setores empresariais cujos ativos são cobertos por seguros de danos e que, diante de perdas materiais, recebem valores indenizatórios vultosos. Indústrias, empresas de transporte e armazenagem, shoppings e empreendimentos imobiliários, por exemplo, encontram na decisão um precedente que ajuda a afastar autuações fiscais baseadas unicamente em registros contábeis. A prevalência do critério jurídico-tributário sobre a categorização contábil confere maior segurança jurídica à gestão de passivos fiscais derivados de sinistros, especialmente quando os valores em questão impactam diretamente a demonstração de resultados das companhias.
Contexto fático-jurídico
O debate sobre a tributação de indenizações securitárias em casos de sinistro envolvendo bens do ativo imobilizado não é novo, mas voltou a ganhar força diante de autuações fiscais que tomam como base a classificação contábil dos valores recebidos. Em geral, empresas que sofrem perdas materiais, como veículos destruídos ou equipamentos sinistrados, recebem da seguradora valores compensatórios para recompor o prejuízo. Do ponto de vista contábil, esses ingressos costumam ser registrados como receita, o que, isoladamente, tem sido suficiente para a Receita Federal enquadrá-los como fatos geradores de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.
A controvérsia se intensificou à medida que as fiscalizações passaram a desconsiderar a natureza jurídica desses valores, tratando-os como se representassem acréscimos patrimoniais líquidos ou faturamento. Essa lógica tributária, baseada exclusivamente na técnica contábil, desconsidera que a indenização securitária, por definição, não enriquece o patrimônio do segurado, mas apenas o restitui ao estado anterior ao sinistro. O descasamento entre a representação contábil e o conceito jurídico-tributário tornou-se, assim, um dos principais focos de contestação administrativa e judicial.
Do ponto de vista normativo, o Código Tributário Nacional, em seu art. 43, exige, para a incidência do imposto de renda, a existência de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. No caso da CSLL, que acompanha os critérios do IRPJ, o raciocínio é semelhante. Já para o PIS e a Cofins, a legislação exige que o fato gerador esteja associado a receita bruta ou faturamento, conceitos que pressupõem o desempenho de uma atividade econômica remunerada. A ausência desses elementos no recebimento da indenização securitária é o que fundamenta a exclusão desses valores da base de cálculo dos tributos mencionados.
Diante desse impasse conceitual, o STJ foi instado a avaliar se a forma como tais valores são registrados pela contabilidade societária deve prevalecer sobre os critérios jurídicos que orientam a incidência tributária.
O que o STJ levou em conta
Ao enfrentar a controvérsia, a Segunda Turma partiu da distinção fundamental entre o conceito jurídico de renda e o registro contábil de receitas. A análise se estruturou sobre o entendimento de que a indenização securitária recebida em razão de sinistros sobre bens do ativo imobilizado não constitui manifestação de riqueza nova, mas compensação por uma perda patrimonial previamente ocorrida. Sob essa ótica, a Corte reafirmou que o critério de disponibilidade econômica ou jurídica — exigido pelo art. 43 do CTN para caracterização da renda tributável — não se verifica em hipóteses de recomposição patrimonial.
O Tribunal também enfatizou a prevalência da lógica tributária sobre a classificação contábil quando se trata de delimitar os elementos da regra matriz de incidência. Ainda que o ingresso conste nos demonstrativos financeiros como receita, esse enquadramento técnico não pode, por si só, legitimar a incidência de tributos cuja hipótese de incidência exige, materialmente, a existência de acréscimo patrimonial (no caso do IRPJ e da CSLL) ou de receita oriunda do exercício da atividade econômica (como previsto para o PIS e a Cofins). A função orientadora da contabilidade é relevante, mas não substitui o conteúdo normativo da legislação tributária.
Nesse contexto, a Corte destacou que a indenização securitária, especialmente nos contratos de seguro de dano, destina-se a reparar perdas materiais, caracterizando-se como verba indenizatória de um dano emergente, e não como resultado positivo de uma atividade lucrativa. Afastou, assim, qualquer tentativa de enquadrar esses valores no conceito de receita bruta ou faturamento, já que não representam operação mercantil nem implicam contraprestação econômica por bens ou serviços fornecidos ao mercado.
A decisão, ao aplicar a regra matriz a partir da substância jurídica dos valores recebidos, reafirma a autonomia conceitual do direito tributário e limita o alcance de interpretações fiscais ancoradas exclusivamente em classificações formais ou em expedientes administrativos de arrecadação.
Efeitos para a tributação de sinistros patrimoniais
A orientação fixada pela Segunda Turma reforça um entendimento que tende a repercutir diretamente sobre a forma como a Receita Federal interpreta os efeitos fiscais de indenizações securitárias em contextos empresariais. Empresas com patrimônio ativo relevante, como locadoras de veículos, transportadoras, empresas de logística e grupos com ativos imobilizados de alto valor, passam a contar com um precedente que delimita de maneira clara a natureza jurídica desses ingressos, afastando a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre verbas que visem exclusivamente à recomposição de perdas.
Ainda que não se trate de julgamento repetitivo, a decisão projeta efeitos interpretativos sobre autuações fiscais baseadas exclusivamente na qualificação contábil desses valores como receitas. Ao reconhecer que a categorização contábil não tem primazia na definição da regra matriz de incidência, o STJ consolida uma diretriz que pode ser invocada como parâmetro técnico tanto em contenciosos administrativos quanto judiciais. Para os contribuintes, isso significa a possibilidade de enfrentar exigências fiscais que, até então, vinham se sustentando apenas na formalidade do lançamento contábil, sem correspondência com a realidade jurídica do fato gerador.
Além disso, o precedente reafirma um ponto estrutural do sistema: a impossibilidade de que eventos que não geram riqueza nova sejam utilizados como base de incidência de tributos sobre renda ou faturamento. Em um ambiente tributário frequentemente tensionado por interpretações fiscalistas, esse posicionamento resgata a centralidade do conceito jurídico-material na aplicação das normas de incidência, especialmente em contextos em que o ingresso patrimonial decorre de sinistros e não de operações econômicas voluntárias.
Na prática, o julgado funciona como um freio à elasticidade com que a Receita Federal vinha tratando valores decorrentes de seguros. Ao distinguir, com base jurídica, a recomposição patrimonial da geração de riqueza, o STJ estabelece um limite à pretensão de expandir a base de cálculo de tributos sobre a renda e a receita, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de que as incidências se mantenham aderentes aos critérios constitucionais e legais que as legitimam.
Leia na íntegra a decisão: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202401520332&dt_publicacao=03/06/2025