STJ admite arbitramento do ITCMD quando quotas societárias forem integralizadas por imóveis sem avaliação de mercado
- Benites Bettim Advogados
- 24 de jul.
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Decisão em um parágrafo
Em 18 de fevereiro de 2025, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao Recurso Especial 2.139.412-MT e fixou entendimento relevante sobre a base de cálculo do ITCMD quando quotas societárias forem integralizadas por imóveis com bens imóveis sem avaliação de valore de mercado adequada. De forma unânime, os ministros reconheceram que o valor patrimonial declarado pelo contribuinte, calculado a partir do patrimônio líquido da sociedade, pode ser desconsiderado pelo Fisco quando não refletir, de maneira individualizada, o valor de mercado dos imóveis que compuseram o capital social. Com isso, o Tribunal confirmou a possibilidade de aplicação do art. 148 do CTN para que a Fazenda realize avaliação autônoma dos bens transmitidos, sempre que verificar distorção entre o valor declarado e o efetivo valor venal de mercado na data do fato gerador.
A quem essa decisão interessa
A decisão impacta diretamente espólios que detenham participação societária em empresas formadas a partir da integralização de bens imóveis, sobretudo nos casos em que as quotas foram declaradas com base no valor patrimonial contábil. Em geral, trata-se de estruturas societárias utilizadas em planejamentos sucessórios, com o objetivo de concentrar imóveis em pessoa jurídica e, assim, permitir que a transmissão hereditária se dê por meio da transferência de quotas. Para essas estruturas, o julgamento do STJ reafirma que o valor atribuído contabilmente às quotas não basta, por si só, para afastar a apuração do valor venal real dos imóveis transferidos.
Também estão no centro da repercussão do precedente os herdeiros e sucessores que optaram por recolher o ITCMD tomando como referência o balanço da sociedade. Em diversos estados, esse modelo contábil foi aceito como parâmetro para a declaração do imposto, o que deu origem a autuações fiscais posteriormente contestadas judicialmente. O novo entendimento retira a segurança desses modelos e legitima a atuação do Fisco na desconsideração do valor declarado, sempre que não houver avaliação isolada dos ativos imobiliários que compõem o capital social.
Contexto fático-jurídico
A controvérsia teve origem em uma sucessão patrimonial que envolvia a transmissão de quotas de sociedade integralizada por bens imóveis. O espólio optou por declarar as quotas com base em seu valor patrimonial contábil, apurado conforme o balanço da empresa na data do fato gerador. Em sua argumentação, sustentou que essa base seria suficiente para a apuração do ITCMD, já que os imóveis estavam refletidos no capital social da pessoa jurídica e não deveriam ser submetidos a nova avaliação. A Fazenda estadual, no entanto, discordou da metodologia e promoveu parecer técnico para reavaliar os bens que compunham a sociedade, estimando um valor de mercado superior ao declarado.
O debate foi judicializado por meio de mandado de segurança, em que se buscava a anulação da reavaliação fiscal e o reconhecimento do valor declarado como parâmetro único para cálculo do imposto. Em primeira instância, a sentença acolheu parcialmente o pedido, determinando que o ITCMD fosse calculado a partir do valor de mercado dos imóveis, abatendo-se as dívidas do espólio. Na apelação, contudo, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso reformou a decisão e determinou que o Fisco se limitasse a aplicar o valor patrimonial declarado, afastando a exigência de nova avaliação dos ativos imobiliários.
Essa divergência revelou um impasse recorrente nas sucessões que envolvem sociedades constituídas por bens imóveis: de um lado, a prática do contribuinte de utilizar os registros contábeis como referência direta para fins tributários; de outro, a atuação da Fazenda, que questiona a suficiência dessa contabilidade quando ausente avaliação individualizada dos bens. A controvérsia foi agravada pela ausência de uniformidade na jurisprudência estadual, o que justificou a submissão do caso à apreciação do STJ.
O que o STJ levou em conta
Ao julgar o Recurso Especial 2.139.412/MT, a Segunda Turma do STJ partiu da premissa de que o art. 38 do CTN impõe, como base de cálculo do ITCMD, o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. No contexto específico da transmissão de quotas de sociedade integralizada por bens imóveis, a Corte reconheceu que o valor patrimonial contábil das quotas pode não refletir, com fidelidade, o valor de mercado dos ativos que compõem o capital social. Por essa razão, entendeu legítima a atuação da Fazenda estadual ao desconsiderar o valor declarado e exigir a apuração autônoma dos imóveis, na forma do art. 148 do CTN.
O ponto central da análise foi a ausência, no caso concreto, de avaliação individualizada dos imóveis que haviam sido integralizados na sociedade. O contribuinte pretendia que o ITCMD fosse calculado com base apenas no valor patrimonial líquido das quotas, como registrado na contabilidade da empresa, mas o Tribunal considerou que esse critério, sem qualquer verificação do valor de mercado dos bens subjacentes, esvazia a exigência legal de que a base de cálculo corresponda ao valor venal efetivo. Assim, o STJ reconheceu que o lançamento tributário não pode se apoiar exclusivamente em um dado contábil quando este não espelha a realidade econômica da operação.
O Tribunal também enfatizou que o exercício da autoridade fiscal deve observar as garantias constitucionais do contribuinte. Ao permitir que a Fazenda proceda ao arbitramento da base de cálculo com base em valores de mercado, a decisão reafirma a legalidade desse mecanismo, mas condiciona sua aplicação ao devido processo administrativo. A nova apuração do ITCMD, portanto, não é automática: deve assegurar, em cada caso concreto, o contraditório e a ampla defesa antes da constituição definitiva do crédito tributário.
Efeitos práticos da decisão
A decisão do STJ consolida um critério mais rigoroso para a apuração do ITCMD quando quotas societárias forem integralizadas por imóveis em participações em empresas deixadas pelo falecido. A partir desse precedente, o valor patrimonial declarado com base no balanço da empresa deixa de ser, por si só, suficiente para fixar a base de cálculo do imposto. Sempre que houver indício de subavaliação ou ausência de apuração autônoma dos ativos imobiliários, o Fisco estará autorizado a aplicar o art. 148 do CTN e realizar arbitramento com base no valor de mercado de cada imóvel, observado o devido processo legal.
Esse entendimento impacta diretamente estruturas patrimoniais que utilizam sociedades como instrumentos de organização sucessória. É comum, nesses casos, a constituição de pessoa jurídica apenas para centralizar bens imóveis e distribuir quotas entre herdeiros. A jurisprudência do STJ, no entanto, rompe com a presunção de suficiência do valor contábil e impõe a necessidade de demonstração concreta de que os bens foram avaliados adequadamente na data do fato gerador, sob pena de desconsideração do critério declarado.
A repercussão também se estende à atuação dos fiscos estaduais, que passam a contar com respaldo jurisprudencial para revisar as declarações unilaterais dos contribuintes quando estas não vierem acompanhadas de documentos ou laudos que atestem o valor venal dos bens incorporados às sociedades. Essa prerrogativa, contudo, não se traduz em poder discricionário absoluto: a utilização do arbitramento deve observar o contraditório e ser justificada tecnicamente, sob pena de nulidade do lançamento.
Em termos mais amplos, o precedente reforça a exigência de aderência entre forma e substância nas estruturas sucessórias que envolvam bens imóveis. O uso de sociedades como ferramenta de planejamento patrimonial continua legítimo, mas não afasta o dever de transparência na mensuração do valor econômico dos ativos transmitidos. A omissão ou inadequação dessa avaliação expõe a operação ao risco de revisão fiscal, com potenciais impactos no valor do imposto devido, na regularidade do inventário e na segurança jurídica dos herdeiros.
Leia na íntegra a decisão: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202401479235&dt_publicacao=21/02/2025
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