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STF declara parcialmente inconstitucional o art. 19 do Marco Civil da Internet e redefine responsabilidade das plataformas digitais

  • Foto do escritor: Benites Bettim Advogados
    Benites Bettim Advogados
  • 13 de ago.
  • 7 min de leitura
Rede digital tridimensional de pontos conectados em azul-claro sobreposta a um prédio institucional iluminado ao fundo, simbolizando decisão do STF sobre responsabilidade das plataformas digitais.

Decisão em um parágrafo


Em 30 de junho de 2025, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários 1.037.396/SP (Tema 987) e 1.057.258/MG (Tema 533), declarou, por maioria, a inconstitucionalidade parcial e progressiva do art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), por entender que a regra geral, que condiciona a responsabilização civil de provedores de aplicações de internet a ordem judicial específica para remoção de conteúdo ilícito de terceiros, não confere proteção suficiente a direitos fundamentais nem à democracia, fixando teses que ampliam hipóteses de responsabilidade das plataformas digitais, inclusive sem ordem judicial, e modulando os efeitos da decisão com eficácia prospectiva.


A quem essa decisão interessa


A decisão afeta diretamente as grandes plataformas digitais com atuação no Brasil (redes sociais, provedores de hospedagem de conteúdo, marketplaces e serviços de mensageria), bem como empresas de tecnologia que operam com perfis, anúncios pagos, impulsionamento e moderação de conteúdo.


Para o setor, o novo regime amplia a responsabilidade civil, introduz presunção de culpa em casos específicos e impõe deveres adicionais de prevenção, transparência e atendimento ao usuário. Isso exige reforço estrutural em processos de compliance, revisão de políticas internas e investimentos em detecção de condutas ilícitas.


Do lado dos usuários e grupos vulneráveis, a decisão cria mecanismos mais céleres de retirada de conteúdo em casos graves, como crimes contra a honra, violência de gênero, atos antidemocráticos e pornografia infantil, e limita a necessidade de judicialização prévia para proteger direitos da personalidade.


Contexto fático-jurídico


O debate sobre o art. 19 do MCI vinha ganhando relevância desde a intensificação do uso de redes sociais e plataformas digitais como canais de difusão de conteúdo, inclusive ilícito, em escala massiva.


A norma, originalmente concebida para proteger a liberdade de expressão e evitar censura prévia, condicionava a responsabilidade civil das plataformas ao descumprimento de ordem judicial específica. Na prática, isso significava que, salvo hipóteses previstas no art. 21 (conteúdos de nudez não consentida), não havia dever de remoção espontânea, mesmo diante de notificações privadas ou denúncias internas.


Com a proliferação de condutas ilícitas em ambientes digitais, de fake news a crimes graves contra mulheres e crianças, formou-se a discussão sobre se a regra ainda atendia aos bens jurídicos de alta relevância constitucional, ou se configurava omissão legislativa parcial.


No caso concreto do RE 1.037.396/SP, o Facebook foi condenado por não remover um perfil falso criado em nome de pessoa sem conta na rede, mesmo após notificação via ferramenta interna. No RE 1.057.258/MG, envolvendo o Google e uma comunidade ofensiva no Orkut contra professora, a Corte afastou a responsabilidade por inexistir, à época, imposição legal de fiscalização prévia.


O que o STF levou em conta


O Plenário reconheceu que a proteção de direitos fundamentais (dignidade da pessoa humana, integridade física e moral, segurança da democracia) impõe, em determinadas hipóteses, deveres mais amplos às plataformas, sem que isso configure censura ou violação à liberdade de expressão.


Ao declarar a inconstitucionalidade parcial do art. 19, a Corte fixou que, até nova legislação, a responsabilização civil dos provedores poderá ocorrer mesmo sem prévia ordem judicial de remoção, quando se tratar de crimes graves listados no acórdão (terrorismo, pornografia infantil, violência de gênero, discriminação, tráfico de pessoas, atos antidemocráticos, induzimento ao suicídio) e em hipóteses de contas inautênticas, anúncios pagos ou redes artificiais de distribuição de conteúdo ilícito.


Foi estabelecida presunção de responsabilidade nessas situações, cabendo ao provedor afastá-la apenas se comprovar diligência e atuação tempestiva para indisponibilizar o conteúdo.


O Tribunal também definiu que a responsabilidade, no novo regime, é de natureza subjetiva, com exceção das presunções específicas, e que a existência isolada de conteúdo ilícito não gera, por si só, imputação, salvo no regime já previsto pelo art. 21 do MCI.


Consequências práticas da decisão


A decisão altera substancialmente o cenário regulatório do ambiente digital no Brasil. Plataformas terão de: (i) criar e manter sede e representante legal no país; (ii) editar normas internas de autorregulação com canais permanentes de atendimento; (iii) publicar relatórios anuais de transparência; e (iv) implementar mecanismos técnicos avançados de prevenção e remoção de conteúdo ilícito.


A modulação com efeitos prospectivos preserva situações já decididas e passa a orientar, doravante, a atuação das plataformas e o julgamento dos casos futuros.


Para usuários e vítimas de ilícitos digitais, a decisão do STF permite que, em determinadas hipóteses graves previstas no acórdão, a remoção de conteúdo e a posterior responsabilização civil do provedor possam ser determinadas pelo Judiciário mesmo sem a exigência de ordem judicial prévia de retirada como condição para o reconhecimento da obrigação de indenizar, ampliando a efetividade da tutela.


No campo legislativo, o STF apelou ao Congresso Nacional para suprir as lacunas e criar um regime normativo mais robusto e equilibrado. Até lá, as teses fixadas passam a orientar todos os processos sobre responsabilidade civil de provedores no país.


Teses fixadas:


Reconhecimento da inconstitucionalidade parcial e progressiva do art. 19 do MCI: O art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que exige ordem judicial específica para a responsabilização civil de provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, é parcialmente inconstitucional. Há um estado de omissão parcial que decorre do fato de que a regra geral do art. 19 não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância (proteção de direitos fundamentais e da democracia).


Interpretação do art. 19 do MCI:

Enquanto não sobrevier nova legislação, o art. 19 do MCI deve ser interpretado de forma que os provedores de aplicação de internet estão sujeitos à responsabilização civil, ressalvada a aplicação das disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo TSE.


O provedor de aplicações de internet será responsabilizado civilmente, nos termos do art. 21 do MCI, pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crime ou atos ilícitos, sem prejuízo do dever de remoção do conteúdo. Aplica-se a mesma regra nos casos de contas denunciadas como inautênticas.


Nas hipóteses de crime contra a honra aplica-se o art. 19 do MCI, sem prejuízo da possibilidade de remoção por notificação extrajudicial.


Em se tratando de sucessivas replicações do fato ofensivo já reconhecido por decisão judicial, todos os provedores de redes sociais deverão remover as publicações com idênticos conteúdos, independentemente de novas decisões judiciais, a partir de notificação judicial ou extrajudicial.


Presunção de responsabilidade:

Fica estabelecida a presunção de responsabilidade dos provedores em caso de conteúdos ilícitos quando se tratar de (a) anúncios e impulsionamentos pagos; ou (b) rede artificial de distribuição (chatbot ou robôs). Nestas hipóteses, a responsabilização poderá se dar independentemente de notificação. Os provedores ficarão excluídos de responsabilidade se comprovarem que atuaram diligentemente e em tempo razoável para tornar indisponível o conteúdo.


Dever de cuidado em caso de circulação massiva de conteúdos ilícitos graves:

O provedor de aplicações de internet é responsável quando não promover a indisponibilização imediata de conteúdos que configurem as práticas de crimes graves previstas no seguinte rol taxativo:


(a) condutas e atos antidemocráticos que se amoldem aos tipos previstos nos artigos 286, parágrafo único, 359-L, 359-M, 359-N, 359-P e 359-R do Código Penal; (b) crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo, tipificados pela Lei nº 13.260/2016;

(c) crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, nos termos do art. 122 do Código Penal;

(d) incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas), passível de enquadramento nos arts. 20, 20-A, 20-B e 20-C da Lei nº 7.716, de 1989;

(e) crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio às mulheres (Lei nº 11.340/06; Lei nº 10.446/02; Lei nº 14.192/21; CP, art. 141, § 3º; art. 146-A; art. 147, § 1º; art. 147-A; e art. 147-B do CP);

(f) crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes, nos termos dos arts. 217-A, 218, 218-A, 218-B, 218-C, do Código Penal e dos arts. 240, 241-A, 241-C, 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente;

(g) tráfico de pessoas (CP, art. 149-A).


A responsabilidade dos provedores de aplicações de internet prevista neste item diz respeito à configuração de falha sistêmica.


Considera-se falha sistêmica, imputável ao provedor de aplicações de internet, deixar de adotar adequadas medidas de prevenção ou remoção dos conteúdos ilícitos anteriormente listados, configurando violação ao dever de atuar de forma responsável, transparente e cautelosa.


Consideram-se adequadas as medidas que, conforme o estado da técnica, forneçam os níveis mais elevados de segurança para o tipo de atividade desempenhada pelo provedor.


A existência de conteúdo ilícito de forma isolada, atomizada, não é, por si só, suficiente para ensejar a aplicação da responsabilidade civil do presente item. Contudo, nesta hipótese, incidirá o regime de responsabilidade previsto no art. 21 do MCI.


Nas hipóteses previstas neste item, o responsável pela publicação do conteúdo removido pelo provedor de aplicações de internet poderá requerer judicialmente o seu restabelecimento, mediante demonstração da ausência de ilicitude. Ainda que o conteúdo seja restaurado por ordem judicial, não haverá imposição de indenização ao provedor.


Incidência do art. 19:

Aplica-se o art. 19 do MCI ao (a) provedor de serviços de e-mail; (b) provedor de aplicações cuja finalidade primordial seja a realização de reuniões fechadas por vídeo ou voz; (c) provedor de serviços de mensageria instantânea (também chamadas de provedores de serviços de mensageria privada), exclusivamente no que diz respeito às comunicações interpessoais, resguardadas pelo sigilo das comunicações (art. 5º, inciso XII, da CF/88).


Marketplaces:

Os provedores de aplicações de internet que funcionarem como marketplaces respondem civilmente de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).


Deveres adicionais:

Os provedores de aplicações de internet deverão editar autorregulação que abranja, necessariamente, sistema de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência em relação a notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos.


Deverão, igualmente, disponibilizar a usuários e a não usuários canais específicos de atendimento, preferencialmente eletrônicos, que sejam acessíveis e amplamente divulgados nas respectivas plataformas de maneira permanente.


Tais regras deverão ser publicadas e revisadas periodicamente, de forma transparente e acessível ao público.


Os provedores de aplicações de internet com atuação no Brasil devem constituir e manter sede e representante no país, cuja identificação e informações para contato deverão ser disponibilizadas e estar facilmente acessíveis nos respectivos sítios. Essa representação deve conferir ao representante, necessariamente pessoa jurídica com sede no país, plenos poderes para: (a) responder perante as esferas administrativa e judicial; (b) prestar às autoridades competentes informações relativas ao funcionamento do provedor, às regras e aos procedimentos utilizados para moderação de conteúdo e para gestão das reclamações pelos sistemas internos; aos relatórios de transparência, monitoramento e gestão dos riscos sistêmicos; às regras para o perfilamento de usuários (quando for o caso), a veiculação de publicidade e o impulsionamento remunerado de conteúdos; (c) cumprir as determinações judiciais; e (d) responder e cumprir eventuais penalizações, multas e afetações financeiras em que o representado incorrer, especialmente por descumprimento de obrigações legais e judiciais.


Natureza da responsabilidade:

Não haverá responsabilidade objetiva na aplicação da tese aqui enunciada.


Apelo ao legislador:

Apela-se ao Congresso Nacional para que seja elaborada legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais.


Modulação dos efeitos temporais:

Para preservar a segurança jurídica, ficam modulados os efeitos da presente decisão, que somente se aplicará prospectivamente, ressalvadas decisões transitadas em julgado.


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