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Mútuo conversível ou contrato de participação?

  • Foto do escritor: Benites Bettim Advogados
    Benites Bettim Advogados
  • 15 de ago.
  • 6 min de leitura
Close-up de dois conjuntos distintos de documentos e materiais financeiros sobre mesa, simbolizando a análise comparativa entre mútuo conversível e contrato de participação

A escolha do instrumento jurídico para formalizar a entrada de capital em startups, sobretudo a opção pelo contrato de participação ou pelo mútuo conversível, costuma gerar dúvidas recorrentes, inclusive entre agentes experientes no ecossistema de inovação.


Mesmo os modelos mais utilizados ainda levantam questões práticas sobre regime jurídico, repercussões fiscais e limites de negociação, especialmente quando se busca preservar flexibilidade contratual sem abrir mão da segurança jurídica.


O mútuo conversível em participação societária e o contrato de participação previsto na Lei Complementar nº 123/2006 permanecem entre as opções mais debatidas. Ambos viabilizam aportes em empresas em estágio inicial, sem exigência de ingresso societário imediato.


Apesar da semelhança funcional, referidos instrumentos operam com lógicas distintas e produzem efeitos concretos que não se confundem, sobretudo quanto à forma de retorno, à responsabilidade do investidor e às condições de saída.


Com a entrada em vigor do Marco Legal das Startups, alguns critérios que antes orientavam essa escolha passaram por reconfiguração. A proteção jurídica do investidor, por exemplo, deixou de ser exclusividade de um dos modelos.


Ainda assim, as diferenças estruturais entre os contratos seguem exigindo análise detida, principalmente quando se busca alinhar o instrumento ao estágio do negócio, à expectativa de liquidez ou ao perfil do investidor.


Este conteúdo tem por objetivo apresentar essas distinções com clareza, partindo de critérios jurídicos e negociais concretos. A proposta não é esgotar o tema, mas oferecer uma base segura para que empresas e investidores avaliem o modelo mais compatível com a operação em curso.


Formas de entrada de capital e os efeitos jurídicos de cada instrumento


O mútuo conversível se baseia na transferência de recursos à empresa sob a forma de empréstimo. A operação nasce com uma obrigação de devolução futura, mas permite que o valor emprestado seja convertido em participação societária, desde que atendidas as condições previstas no contrato. Essa conversão, quando exercida, substitui a restituição financeira pelo ingresso do investidor no capital social da empresa.


O contrato de participação, por sua vez, permite o aporte de capital sem que o investidor se torne sócio. Durante a vigência contratual, esse capital não se integra ao patrimônio da empresa e o investidor é remunerado conforme os resultados obtidos, nos limites e prazos fixados pela legislação. Desde a edição do

Marco Legal das Startups, em 2021, tornou-se possível que o contrato preveja expressamente a conversão do aporte em participação societária, caso as partes assim pactuem.


Essa possibilidade de conversão aproxima, sob certos aspectos, a estrutura jurídica do contrato de participação da lógica do mútuo conversível. A diferença permanece, no entanto, quanto ao ponto de partida: no mútuo, há obrigação de restituição, salvo se convertida; no contrato de participação, o valor aportado já nasce sem expectativa de devolução, salvo na forma de resgate conforme os parâmetros legais.


Ao estruturar a entrada de capital, a empresa além de definir apenas como o investidor será remunerado, estabelece também qual será a natureza jurídica da relação entre as partes, a forma de saída prevista e a possibilidade (ou não) de formação de vínculo societário futuro. A escolha do instrumento jurídico, portanto, determina o desenho contratual da operação.


Estrutura legal e grau de flexibilidade


O mútuo conversível opera dentro da moldura contratual privada, sem exigência de forma legal específica. Esse grau de liberdade permite às partes modular prazos, condições de conversão e regras de remuneração com ampla margem negocial. A ausência de limites legais rígidos confere ao instrumento maior adaptabilidade às dinâmicas das rodadas de captação.


Já o contrato de participação está sujeito a requisitos expressos da Lei Complementar nº 123/2006. O valor aportado deve ter finalidade de fomento à inovação ou investimento produtivo, o contrato precisa observar prazo máximo de sete anos, e o investidor passa a ter acesso a informações societárias sem adquirir poderes de gestão ou voto. A legislação também delimita os mecanismos de remuneração e de saída.


Essas balizas legislativas reduzem a margem de personalização contratual. A previsão de prazos mínimos para resgate e de tetos para participação nos lucros limita as formas de retorno que podem ser estabelecidas. Ainda que o contrato permita a conversão em participação societária, essa possibilidade depende de cláusula específica e de aceitação prévia das condições por parte dos sócios regulares.


A diferença entre instrumentos, portanto, está no grau de sujeição ao regramento legal. Enquanto um contrato se adapta à realidade de cada rodada, o outro precisa operar dentro de um conjunto normativo que antecipa regras de remuneração, acesso à informação e condições de saída. Essa diferença influencia diretamente o apetite de risco, a sofisticação das cláusulas e o perfil dos investidores que aderem a cada modelo.


Remuneração e saída do investidor


O mútuo conversível prevê, por definição, a possibilidade de devolução do valor aportado. Enquanto a conversão em participação societária pode ser pactuada como evento futuro, a regra básica do contrato é a restituição do capital com a remuneração previamente acordada. Esse modelo permite calcular o retorno financeiro com base em encargos definidos entre as partes, oferecendo previsibilidade para o investidor.


Esse retorno pode deixar de ocorrer se a conversão for efetivada. Nesse caso, o investidor adquire participação societária no capital da empresa, encerrando a obrigação de restituição. A transição de credor para sócio decorre de cláusula contratual previamente estabelecida, com base em gatilhos como rodadas subsequentes, valuation acordado ou eventos de liquidez.


No contrato de participação, a remuneração assume forma distinta. O investidor anjo recebe um retorno vinculado ao desempenho financeiro da empresa, com base nos lucros apurados. A legislação impõe limite percentual à participação nos resultados e fixa prazo máximo para essa remuneração. Além disso, o direito ao resgate do capital só pode ser exercido após um período mínimo, dentro de condições definidas em contrato.


A previsão de retorno econômico no contrato de participação está subordinada à apuração de resultados positivos. Já no mútuo, a lógica contratual parte da restituição do valor aportado, salvo disposição em sentido diverso. Essa diferença altera o horizonte de liquidez para o investidor e deve ser ponderada conforme a natureza do projeto e o perfil de risco da operação.


Proteção jurídica e segurança para o investidor


A principal motivação por trás da criação do contrato de participação foi garantir segurança jurídica ao investidor anjo. Antes de seu surgimento, inexistia um modelo legalmente previsto que formalizasse aportes em startups sem a inclusão do investidor no quadro societário. A Lei Complementar nº 123/2006 buscou suprir essa lacuna, isolando o patrimônio pessoal do investidor e afastando sua responsabilidade por obrigações da empresa.


Por muito tempo, essa proteção foi compreendida como o grande diferencial do contrato de participação. A legislação delimitou com precisão que o investidor anjo não seria considerado sócio, tampouco poderia responder por dívidas da empresa, inclusive em situações de recuperação judicial. Esse regime atraiu atenção no cenário regulatório, mas não consolidou adesão no mercado.


A promulgação do Marco Legal das Startups reformulou esse cenário. Com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 182/2021, a proteção patrimonial passou a abranger todos os modelos contratuais mencionados na norma, incluindo o mútuo conversível. Essa mudança foi decisiva para uniformizar o tratamento jurídico do investidor, permitindo aportes sem vínculo societário, desde que não se configure fraude ou simulação.


A partir dessa reformulação, a escolha entre os instrumentos deixou de depender da busca por segurança jurídica. Com a equiparação legal, o investidor que opta pelo mútuo conversível encontra respaldo normativo equivalente ao oferecido pelo contrato de participação, sem submeter-se aos limites estruturais impostos por este último. A proteção legal se estende a qualquer contrato de aporte regulado pela nova lei, o que consolida um novo padrão de segurança no ecossistema de inovação.


Considerações estratégicas para a escolha do instrumento


A seleção entre diferentes instrumentos de aporte não depende apenas de preferências contratuais. Trata-se de uma decisão com implicações diretas sobre o fluxo de capital, o horizonte de retorno e a governança do investimento. Por isso, mais do que avaliar qual contrato está juridicamente disponível, é necessário compreender o que cada estrutura favorece ou limita.


O mútuo conversível permanece como o instrumento de maior circulação no mercado brasileiro de venture capital. Sua flexibilidade contratual, ausência de prazo legal máximo e possibilidade de conversão em participação societária atendem à dinâmica típica das rodadas early stage. A consolidação dessa prática ao longo dos anos resultou em maior familiaridade por parte de empreendedores, investidores e assessores jurídicos, além de ampla previsibilidade quanto à sua aplicação.


O contrato de participação, por sua vez, carrega limitações objetivas. A legislação impõe prazo de vigência, restringe o retorno financeiro do investidor e define condições específicas para o resgate do capital. Ainda que a conversão em participação societária seja admitida pela redação atual da lei, ela depende de previsão expressa e não é regra implícita do modelo. Essas características reduzem a atratividade do instrumento em operações que exigem maleabilidade estratégica.


Com o cenário normativo estabilizado após o Marco Legal das Startups, o elemento jurídico deixou de ser um obstáculo na decisão. O que define a escolha, hoje, é a compatibilidade entre o contrato e os objetivos das partes: se a operação exige previsibilidade de retorno e estrutura escalável, o mútuo tende a prevalecer; se a intenção é limitar riscos por tempo determinado, dentro de métricas rígidas, o contrato de participação ainda pode ser considerado.


Com atuação recorrente em operações de investimento early stage, nossa equipe está preparada para ajudá-lo a tomar essa decisão, avaliando riscos e efeitos futuros. Se sua startup está captando recursos, ou se você integra um grupo de investidores, fale conosco.

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