CARF reconhece validade da distribuição desproporcional de lucros em sociedades profissionais
- Benites Bettim Advogados
- 14 de jul.
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Decisão em um parágrafo
A 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do CARF, no âmbito do Processo nº 10166.724874/2019-35, reconheceu a validade da distribuição desproporcional de lucros entre sócios médicos em sociedade limitada, afastando a incidência de contribuição previdenciária e a aplicação de multa qualificada. No caso analisado, a empresa possuía um sócio majoritário e dezenas de outros com participações reduzidas, adotando como critério de distribuição a produtividade individual. Para o colegiado, inexistindo vedação legal expressa e estando a prática respaldada por previsão contratual e registros contábeis regulares, não há fundamento para a requalificação dos valores como pró-labore nem para a imputação de conduta dolosa.
A quem essa decisão interessa
A decisão interessa a sociedades que adotam modelos de remuneração vinculados à produtividade dos sócios, mesmo quando esses detêm participação societária mínima. Clínicas médicas, consultórios, sociedades de advogados e estruturas similares, compostas por profissionais habilitados, com atuação direta na geração de receita, são diretamente impactadas. Também importa a administradores que estruturam distribuições de lucro sem pró-labore e que buscam respaldo contratual e contábil para afastar o risco de requalificação fiscal.
Contexto Fático-Jurídico
A fiscalização lavrou auto de infração contra a sociedade HCB Cardiologistas S/S Ltda. ao entender que os valores pagos aos sócios médicos, ainda que registrados como lucros, configuravam, na prática, remuneração direta por serviços prestados. O argumento central era o vínculo entre o montante recebido por cada sócio e sua produtividade mensal, dissociado da participação societária formal. Com base nisso, foi exigida contribuição previdenciária patronal e aplicada multa de ofício qualificada, com fundamento no artigo 22, inciso III, da Lei nº 8.212/1991, e nos artigos 44 e 71 da Lei nº 9.430/96.
A estrutura da sociedade, no entanto, contrariava a presunção de simulação: tratava-se de sociedade limitada, composta majoritariamente por um sócio (92,7%) e mais de 70 médicos com participações mínimas (0,1% cada). A atuação de todos os sócios era comprovadamente pessoal e direta na execução do objeto social. A distribuição dos lucros seguia parâmetros deliberados em assembleia, com base em critérios objetivos de desempenho e registrados em escrituração contábil regular.
A fiscalização também tentou imputar responsabilidade solidária ao sócio administrador e afastar a proteção jurídica da sociedade ao sugerir conluio e dissimulação da relação de trabalho. A autuação foi integralmente mantida na DRJ. Porém, interposto recurso voluntário contra a decisão, o CARF entendeu de forma diferente.
O que o CARF levou em conta
O colegiado reconheceu que não há vedação legal à distribuição desproporcional de lucros entre sócios em sociedades de prestação de serviços, desde que prevista expressamente no contrato social e refletida de forma regular na contabilidade. Esse foi o ponto de partida do acórdão: a inexistência de norma que imponha a obrigatoriedade de distribuição proporcional ao capital ou de pagamento fixo a título de pró-labore.
Para o relator, a validade do modelo adotado pela contribuinte estava condicionada a três elementos que se confirmaram nos autos: (i) exercício pessoal e técnico da atividade pelos sócios; (ii) previsão contratual clara sobre os critérios de distribuição; e (iii) escrituração contábil compatível com os lançamentos declarados. O voto também destacou que a ausência de pró-labore não descaracteriza a natureza societária da remuneração, especialmente quando os lucros são regularmente apurados e não há simulação de vínculo empregatício.
O CARF afastou ainda a imputação de dolo e a aplicação da multa qualificada, por ausência de elementos que indicassem intenção de fraudar a legislação. Rejeitou-se, igualmente, a tentativa de descaracterização da pessoa jurídica sob o argumento de conluio, por falta de provas mínimas. Com isso, a autuação foi cancelada em sua integralidade.
Efeitos imediatos para empresas
A decisão reforça a possibilidade de estruturar modelos de remuneração entre sócios com base em desempenho, sem necessidade de vínculo com a participação societária. Para sociedades compostas por profissionais habilitados, o acórdão sinaliza que a adoção de critérios objetivos e deliberados para a distribuição de lucros, ainda que desproporcionais, não configura, por si, irregularidade tributária. Desde que respaldadas por cláusula contratual expressa, escrituração contábil regular e efetiva atuação dos sócios na atividade fim, essas práticas podem ser reconhecidas como legítimas.
Além disso, o acórdão delimita um aspecto relevante da atuação fiscal: a tentativa de presumir simulação com base exclusivamente na ausência de pró-labore ou na diferença entre capital e remuneração. O colegiado afastou a multa qualificada justamente por entender que a divergência interpretativa, desacompanhada de elementos de dolo, não autoriza o agravamento da penalidade nem a imputação automática de responsabilidade solidária.
Na prática, o precedente do CARF oferece um parâmetro de proteção institucional para sociedades que, por estrutura e dinâmica operacional, remuneram seus sócios com base em critérios internos de produtividade. Desde que esses critérios sejam formalizados e sustentados por documentação adequada, a distribuição desproporcional deixa de ser um indicativo de fraude e passa a ser uma escolha societária lícita.
Acesse a íntegra da decisão: https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudenciaCarf.jsf
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