Ação de dissolução parcial de sociedade: como funciona o processo e o que esperar de cada etapa
- Benites Bettim Advogados
- 15 de jul.
- 9 min de leitura

Nem toda ruptura significa o fim da empresa
Rupturas entre sócios fazem parte da vida societária. O que nem sempre é claro, sobretudo para empresas de capital fechado e estrutura enxuta, é que a saída de um dos sócios não precisa comprometer a continuidade do negócio, tampouco precisa, necessariamente, resultar em um litígio judicial. O ordenamento jurídico brasileiro oferece instrumentos para formalizar a desvinculação de forma consensual, mediante alteração contratual, com apuração extrajudicial de haveres.
A ação de dissolução parcial da sociedade só se torna necessária quando essa saída não pode ser resolvida por via consensual, seja por omissão dos sócios remanescentes, impasse na avaliação dos haveres ou mesmo recusa em reconhecer o desligamento. É nesse contexto, de ruptura do diálogo ou de impasse técnico-jurídico, que a via judicial assume papel de viabilização da saída e proteção dos direitos do sócio retirante ou excluído.
Tecnicamente, a ação busca a resolução do vínculo societário em relação a um ou mais sócios, com base nas hipóteses previstas em lei: falecimento, retirada voluntária, exclusão por justa causa, liquidação por credores ou falência. O processo tem como finalidade não apenas declarar a dissolução parcial, mas também apurar o valor da participação do sócio retirante, com base em balanço patrimonial especialmente elaborado ou no critério previamente adotado para tanto pelos sócios no momento da constituição da sociedade.
Ao reconhecer esse tipo de ação, o sistema jurídico afirma dois princípios centrais: o direito de um sócio não permanecer obrigado a continuar em uma sociedade contra sua vontade, quando a lei o autoriza a sair, e o dever da sociedade de pagar a ele os haveres de forma proporcional, transparente e fundamentada. Mas isso só é possível quando o litígio é juridicamente admissível e sustentado por elementos concretos.
Compreender esse ponto de partida é essencial. A dissolução parcial por ação judicial não é uma manobra negocial, tampouco uma saída automática para conflitos subjetivos. Trata-se de um instrumento jurídico com pressupostos legais específicos e que deve ser acionado apenas quando a resolução extrajudicial se mostra inviável e a continuidade da empresa, mesmo assim, permanece desejável e possível.
O que se pede na ação de dissolução parcial
A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter três finalidades distintas, que podem ser formuladas de forma cumulativa ou isolada: a resolução do vínculo societário em relação ao sócio que se desliga, a apuração dos haveres correspondentes à sua participação, ou apenas uma dessas medidas. O que se pede e como se pede dependerá da situação concreta e do estágio de ruptura do vínculo entre o sócio e a sociedade.
A primeira finalidade é a própria resolução da sociedade em relação a um sócio específico. Esse pedido é cabível quando a saída do sócio ainda não foi formalmente reconhecida ou implementada. A ação, nesse caso, visa declarar judicialmente que o sócio não faz mais parte da sociedade, seja por falecimento, exclusão, exercício de retirada voluntária ou recesso. Esse desligamento precisa ser formalizado, ainda que a empresa continue funcionando com os sócios remanescentes.
O segundo possível pedido é a apuração de haveres, ou seja, o cálculo do valor que o sócio desligado tem direito a receber em razão de sua participação na sociedade. Esse valor deve refletir a situação patrimonial da empresa na data da resolução do vínculo, podendo ser ajustado por cláusulas específicas do contrato social, como critérios de avaliação, formas de pagamento ou previsão de parcelamento. A apuração de haveres pode ocorrer mesmo que o desligamento em si não esteja sendo discutido, como no caso de um sócio já formalmente retirado que não teve seus direitos patrimoniais respeitados.
Há ainda uma terceira possibilidade: propor a ação apenas para obter um desses efeitos, a resolução ou a apuração de haveres isoladamente. Por exemplo, quando o vínculo societário já se dissolveu de forma incontestável, mas persiste a controvérsia sobre o valor devido ao ex-sócio, não há necessidade de discutir novamente a resolução: basta pedir a apuração patrimonial. O inverso também é possível, nos casos em que se pretende apenas formalizar a exclusão do sócio, deixando a liquidação de haveres para momento posterior ou via autônoma.
Por fim, a ação também pode ser utilizada, em caráter excepcional, para tratar da dissolução parcial de sociedades anônimas de capital fechado. Nesse caso, a lei exige que os autores da ação sejam acionistas que representem pelo menos cinco por cento do capital social, e que demonstrem que a empresa não está mais apta a cumprir sua finalidade. O objetivo, aqui, é preservar o patrimônio investido e proteger o interesse de acionistas minoritários diante da inércia dos órgãos societários.
A definição do que pode ser pedido em juízo (dissolução, apuração ou ambos) impõe uma exigência natural: que o autor da ação tenha legitimidade para formular esse pedido, e que sua situação concreta esteja enquadrada nas hipóteses previstas em lei. Isso significa que não é qualquer pessoa, nem qualquer sócio, que pode recorrer ao Judiciário para obter a dissolução parcial. A legislação processual estabelece de forma específica quem tem essa prerrogativa, e em quais circunstâncias ela se torna viável.
Quem pode propor a ação e em que condições
A dissolução parcial de sociedade não pode ser provocada por qualquer pessoa, nem mesmo por qualquer sócio. Para que a ação tenha admissibilidade processual, a lei exige que o autor esteja diretamente envolvido com a causa jurídica do desligamento e que essa causa tenha efeitos patrimoniais pendentes de formalização. Isso porque o pedido judicial pode envolver tanto a resolução parcial do vínculo societário quanto a apuração de haveres ou, ainda, ambos de forma cumulativa.
Nas hipóteses de falecimento do sócio, duas figuras podem estar legitimadas para propor a ação. Se os herdeiros ainda não ingressaram formalmente no quadro societário, ou se não houver cláusula contratual admitindo essa substituição, o espólio é quem pode pleitear judicialmente a liquidação da quota. Aqui, a ação tem como objetivo a dissolução parcial da sociedade em relação ao sócio falecido, com a consequente apuração de haveres. Caso a partilha já tenha sido encerrada e as quotas transmitidas a herdeiros específicos, esses sucessores assumem a legitimidade ativa, seja para exigir o pagamento dos haveres que lhes cabem, seja para reconhecer formalmente a dissolução em relação ao de cujus.
Nessa mesma linha, a sociedade pode figurar como autora quando os sócios remanescentes se recusam a admitir o ingresso do espólio ou dos sucessores, mesmo havendo cláusula contratual que autorize essa sucessão. A finalidade do pedido, nesses casos, é formalizar o encerramento do vínculo com o sócio falecido, afastando definitivamente a discussão sobre substituição e viabilizando o cálculo dos haveres com segurança jurídica.
Em casos de retirada voluntária, é o próprio sócio que deve propor a ação, se a sociedade não tiver formalizado sua saída dentro do prazo legal. O direito de retirada pode decorrer do prazo indeterminado do contrato, de alterações contratuais com as quais o sócio não concorda ou de outras hipóteses legais de recesso. Quando, após exercer esse direito, o sócio não vê seu desligamento refletido na alteração contratual ou não recebe seus haveres, a ação passa a ser o meio necessário tanto para obter o reconhecimento formal da sua saída quanto para viabilizar o recebimento do valor a que tem direito.
De modo semelhante, a sociedade também é parte legítima para ajuizar a ação quando pretende excluir judicialmente um sócio, mas o contrato social não autoriza essa exclusão por via extrajudicial. Aqui, o pedido se volta à dissolução parcial em relação ao sócio cuja permanência se tornou insustentável, com eventual apuração dos haveres, a depender da forma como se resolva o vínculo.
Já o sócio excluído, seja por decisão judicial ou por ato extrajudicial permitido contratualmente, também pode propor a ação. Seu objetivo, nesse caso, é garantir que a dissolução já formalizada seja acompanhada da apuração de haveres, sobretudo quando a sociedade se omite ou adota critérios que não correspondem ao valor real da sua participação. A ausência de pagamento, a demora excessiva ou o desacordo quanto ao critério de avaliação são suficientes para justificar o ajuizamento.
Por fim, o cônjuge ou companheiro do sócio pode requerer judicialmente a apuração de haveres, desde que o regime de bens da união lhe atribua direito patrimonial sobre as quotas. A pretensão, nesse caso, recai exclusivamente sobre a parcela do sócio com quem havia vínculo conjugal, não sobre a sociedade como um todo. Ainda assim, o processo tramita nos mesmos moldes e exige os mesmos cuidados técnicos, já que implica a redução proporcional do capital social.
Em todos os casos, portanto, o acesso à ação de dissolução parcial pressupõe mais do que a insatisfação com o rumo societário. É necessário que a situação envolva um rompimento formal ou material do vínculo, por morte, retirada, recesso, exclusão ou dissolução conjugal, e que tal ruptura demande, por inércia ou controvérsia, a intervenção judicial. Sem esse conjunto de elementos, a via judicial tende a ser rechaçada ainda na fase inicial do processo.
Etapas do processo e o que esperar de cada fase
A ação de dissolução parcial de sociedade não se limita à declaração de desligamento de um sócio. Seu curso processual envolve, em regra, duas fases principais: a resolução parcial propriamente dita e a apuração dos haveres decorrentes desse desligamento. O caminho a ser seguido — mais simples ou mais complexo — dependerá da postura das partes logo no início do processo.
Na hipótese menos conflituosa, em que há concordância expressa e unânime dos envolvidos quanto à dissolução, o juiz pode decretar de imediato a saída do sócio e dar início à fase de liquidação. Essa manifestação pode vir tanto da sociedade quanto dos demais sócios e do autor, e, uma vez formalizada, permite um procedimento mais célere, sem condenação em honorários advocatícios e com rateio proporcional das custas judiciais. Essa configuração, no entanto, é rara: a maior parte das ações segue para o procedimento comum, especialmente quando há divergências sobre o valor da quota ou mesmo sobre a própria legitimidade do pedido.
Instaurado o contraditório, o juiz definirá três elementos fundamentais para a liquidação: a data da resolução da sociedade (que varia conforme a causa do desligamento), o critério de apuração dos haveres (à luz do contrato social) e a nomeação de perito especializado em avaliação societária. Essa etapa é decisiva: dela depende não apenas a precisão técnica do cálculo, mas também a preservação do equilíbrio patrimonial entre as partes, evitando enriquecimento indevido ou subavaliação da participação do ex-sócio.
A legislação exige ainda que a parte incontroversa dos haveres, aquela que não está em disputa, seja depositada desde logo em juízo, ficando disponível para levantamento imediato pelo ex-sócio, espólio ou sucessores. Se o contrato social tiver regras específicas sobre forma de pagamento, elas devem ser observadas inclusive nessa etapa inicial. Já os valores controversos serão fixados ao final da perícia, com base no patrimônio líquido da sociedade apurado em balanço específico, calculado na data da resolução e considerando ativos e passivos a preços reais de mercado.
Cabe ao juiz, inclusive, revisar essa data ou os critérios contábeis se houver pedido justificado antes do início da perícia. Encerrada a avaliação, o valor devido será pago conforme os termos do contrato social ou, se ele for omisso, em até 90 dias, salvo se o magistrado definir outro prazo por equidade ou diante das condições financeiras da sociedade.
Ao longo de todo esse percurso, o ex-sócio mantém direito a determinados créditos: lucros ou juros sobre capital próprio declarados até a data da resolução, e, se for o caso, remuneração pelo exercício de cargo de administração. A partir de então, incidem apenas correção monetária e juros legais ou contratuais sobre o montante apurado. Esses parâmetros dão previsibilidade à compensação econômica, mas não eliminam a necessidade de uma atuação técnica precisa, tanto na delimitação do pedido quanto na análise contábil e na sustentação jurídica.
Esse roteiro procedimental, embora pareça linear, costuma se entrelaçar a disputas acessórias sobre a validade de cláusulas contratuais, existência de retiradas informais, regularidade da exclusão e critérios de avaliação. Por isso, mesmo em ações que envolvem sociedades de pequeno porte, a condução do processo exige domínio técnico e leitura estratégica do conflito, sob pena de que o litígio comprometa o próprio equilíbrio financeiro da empresa.
Quando a via judicial é realmente necessária
A dissolução parcial por meio de ação judicial não é, e nem deve ser, o caminho imediato diante de conflitos entre sócios. Ao contrário: ela pressupõe o esgotamento das tentativas extrajudiciais de solução, seja por acordo direto, mediação privada, arbitragem (se prevista) ou reestruturação do quadro societário por consenso. A formalização da ruptura na esfera judicial só se justifica quando o impasse entre as partes é irreconciliável e impede a alteração contratual necessária à saída de um sócio ou à definição dos valores que lhe são devidos.
Há razões diversas que podem levar ao litígio: negativa injustificada da sociedade em registrar a retirada, discordância sobre o valor da quota, resistência ao ingresso de sucessores, ou até impugnações ao exercício de direitos legalmente garantidos. Em todos esses casos, a ação judicial surge como medida indispensável para destravar o impasse e assegurar a tutela dos direitos patrimoniais e contratuais envolvidos.
O erro mais comum, nesse cenário, é tomar a via judicial como estratégia de pressão, sem a devida configuração jurídica da situação. Quando isso acontece, o pedido tende a ser contestado com sucesso e o processo se converte em fator de desgaste financeiro e reputacional para todos os envolvidos. Por isso, o ajuizamento da ação exige mais do que o inconformismo com a situação societária: requer fundamento legal, legitimidade clara e provas minimamente robustas.
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