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STJ confirma responsabilidade solidária de empresas relacionadas por atos lesivos à Administração Pública

  • Foto do escritor: Benites Bettim Advogados
    Benites Bettim Advogados
  • 25 de jul.
  • 5 min de leitura
Imagem realista de uma mesa executiva com blocos corporativos interligados por linhas, representando empresas relacionadas. Ao fundo, uma figura simbólica do STJ desfocada sugere o contexto judicial. A cena transmite a ideia de responsabilidade solidária entre empresas por atos lesivos à Administração Pública.

Decisão em um parágrafo


Em 3 de junho de 2025, a Primeira Turma do STJ, sob relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues, reafirmou que a responsabilidade solidária da pessoa jurídica prevista na Lei 12.846/2013 subsiste mesmo após alterações societárias, sempre que os atos lesivos tenham sido praticados durante a vigência da norma ou ainda produzam efeitos. Ao julgar o REsp 2.209.077-RS, o Tribunal consolidou o entendimento de que a responsabilidade solidária da pessoa jurídica, decorrente de ilícito pretérito ou que ainda produza efeitos, perdurará ainda que ocorram alterações contratuais, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.


A quem essa decisão interessa


A interpretação consolidada pela Primeira Turma do STJ no Recurso Especial 2.209.077-RS interessa, em primeiro plano, a grupos empresariais que passaram, ou pretendem passar, por processos de reorganização societária. A tese reafirma que atos de transformação, fusão, incorporação ou cisão não interrompem a responsabilidade objetiva por ilícitos anteriores ou com efeitos ainda vigentes. Isso significa que a reorganização interna não poderá ser utilizada como instrumento para diluir, transferir ou neutralizar a exposição jurídica da empresa por condutas lesivas já configuradas no passado.


Na prática, a decisão alcança controladoras, coligadas e consorciadas que integram operações mais complexas. O risco jurídico não se restringe à pessoa jurídica originalmente envolvida na prática do ilícito, mas pode irradiar para todas as empresas vinculadas à cadeia de controle ou à estrutura de colaboração, especialmente se houver indícios de continuidade operacional ou de benefício obtido com a conduta investigada. Essa lógica expande a responsabilidade de forma transversal no grupo, exigindo maior rigor na análise de passivos ocultos em processos de M&A.


O precedente também mobiliza a atuação de departamentos jurídicos internos, comitês de compliance e equipes de auditoria, sobretudo em empresas expostas a contratos públicos, regimes regulatórios ou programas de integridade. A jurisprudência reforça a necessidade de rastrear passivos decorrentes da Lei Anticorrupção com profundidade e clareza documental, mesmo quando os fatos geradores estejam em um passado remoto, o que altera sensivelmente o modelo de due diligence e a alocação de responsabilidades em cláusulas contratuais.


Contexto fático-jurídico


O recurso especial julgado pelo STJ teve origem em uma ação de responsabilização movida no contexto de apuração de condutas potencialmente lesivas à Administração Pública durante a execução de um contrato de concessão firmado no final da década de 1990. A controvérsia girava em torno da inclusão de uma sociedade empresarial no polo passivo da ação, com fundamento na responsabilidade solidária por atos lesivos à Administração Pública, estabelecida pelo art. 4º, §2º, da Lei n. 12.846/2013, a despeito de a companhia não figurar como signatária do contrato administrativo original.


A parte recorrente sustentava que não havia base legal para sua responsabilização, alegando ausência de demonstração de conduta própria e afirmando que o caput do art. 4º da Lei Anticorrupção condicionaria a solidariedade à existência de alteração societária posterior à prática do ilícito, o que não teria ocorrido no caso concreto. A tese central era a de que, na ausência de uma modificação societária que configurasse sucessão, a simples relação de coligação ou controle não autorizaria a imputação objetiva de responsabilidade, especialmente em um cenário de atos praticados por outra empresa do grupo econômico.


O Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitou essa leitura, reconhecendo que a responsabilidade solidária decorre diretamente da redação do §2º do art. 4º, independentemente de qualquer reorganização societária superveniente. Destacou, ainda, que o dispositivo tem como propósito impedir que estruturas societárias complexas sejam utilizadas como instrumento para desviar a incidência da norma, sobretudo quando os efeitos dos atos investigados se prolongam no tempo ou beneficiam outras integrantes do grupo empresarial.


Diante da manutenção da responsabilização com base em vínculos societários previstos na Lei Anticorrupção e da recusa em limitar a incidência da norma à ocorrência de transformações societárias específicas, a controvérsia foi levada ao Superior Tribunal de Justiça, que reafirmou a tese de responsabilização solidária e consolidou o entendimento de que a subsistência do vínculo jurídico decorre da própria função estrutural da lei, sem necessidade de demonstração de conduta individualizada.


O que o STJ levou em conta


O Superior Tribunal de Justiça examinou a controvérsia à luz da função sistêmica da Lei Anticorrupção, considerando que tanto o caput quanto o §2º do art. 4º devem ser interpretados como mecanismos complementares de responsabilização e não como dispositivos autônomos ou condicionantes entre si. O tribunal afastou expressamente a leitura que vinculava a solidariedade à existência de transformação societária posterior ao ilícito, afirmando que o §2º estabelece uma hipótese de responsabilidade direta para controladoras, coligadas, consorciadas e controladas, com base no vínculo societário e na finalidade preventiva da norma.


Para a Primeira Turma, o elemento determinante para a responsabilização não é a ocorrência de uma alteração contratual, mas a existência de vínculo societário previsto em lei e a prática de ato lesivo durante a vigência da Lei n. 12.846/2013 — ou cuja produção de efeitos ainda esteja em curso. A responsabilização objetiva, portanto, não exige demonstração de conduta direta, tampouco depende de sucessão empresarial ou de reformulações societárias, bastando o enquadramento na estrutura legal e a constatação do nexo entre o grupo e a prática irregular.


O STJ também reconheceu que restringir a responsabilidade solidária apenas a casos de transformação societária esvaziaria o alcance do §2º e enfraqueceria a eficácia do regime anticorrupção. Segundo o voto do relator, tal interpretação criaria uma lacuna normativa incompatível com o objetivo declarado da lei, que é justamente prevenir a dispersão de responsabilidade em contextos de complexidade empresarial. A norma, nesse sentido, foi compreendida como resposta legislativa a práticas recorrentes de blindagem patrimonial mediante artifícios societários.


Por fim, o tribunal acolheu o entendimento do acórdão de origem quanto à ausência de qualquer exigência de temporalidade rígida quanto à constituição das empresas envolvidas. Ainda que as relações societárias tenham se originado antes da vigência da lei, a responsabilidade se impõe sempre que os atos lesivos forem contemporâneos à norma ou mantiverem efeitos lesivos sob sua vigência. Esse critério de continuidade material, e não meramente cronológico, foi central para afastar argumentos que buscavam restringir retroativamente a aplicação da norma às estruturas empresariais.


Consequências práticas do precedente


A consolidação desse entendimento pelo STJ amplia de forma concreta o alcance da responsabilidade objetiva prevista na Lei Anticorrupção para estruturas societárias integradas, inclusive nos casos em que não há sucessão formal entre as empresas envolvidas. Ao afastar a exigência de alteração societária como condição para a responsabilização solidária, o tribunal reforça a eficácia do §2º do art. 4º e oferece maior segurança jurídica à sua aplicação em contextos que envolvam controladoras, coligadas ou consorciadas beneficiárias de atos lesivos à Administração Pública.


Esse efeito normativo é especialmente relevante em processos que apuram esquemas de corrupção estruturados em rede, nos quais os ganhos indevidos muitas vezes se distribuem por diferentes integrantes do grupo econômico. A jurisprudência fixada viabiliza a responsabilização direta dessas entidades quando identificada a prática de condutas lesivas ou a permanência de seus efeitos, eliminando brechas que antes permitiam o distanciamento estratégico do polo passivo. O vínculo societário, nesse cenário, passa a funcionar como elemento jurídico suficiente à imputação objetiva, dentro dos limites estabelecidos pela própria lei.


Além disso, o precedente influencia diretamente a condução de ações regressivas, acordos de leniência e sanções administrativas, ao consolidar a ideia de que o campo de responsabilização extrapola a figura do agente direto e alcança estruturas societárias que, por controle ou benefício, participam da prática ilícita. O reforço à solidariedade legal contribui para equalizar incentivos de cooperação entre empresas de um mesmo grupo, além de promover maior racionalidade na imputação dos encargos de reparação.



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