Canabidiol domiciliar: STJ confirma que negativa de cobertura não configura abusividade automática
- Benites Bettim Advogados
- 10 de jul.
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Decisão em um parágrafo
A Terceira Turma do STJ decidiu, por unanimidade, que é lícita a negativa de cobertura por parte da operadora de plano de saúde quando se tratar de medicamento à base de canabidiol, de uso domiciliar, não previsto no rol da ANS. A Corte considerou que a regra do art. 10, VI, da Lei 9.656/1998 exclui, como padrão, a obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos administrados fora do ambiente hospitalar, salvo em hipóteses expressamente previstas em contrato, lei ou norma da agência reguladora. Ainda que preenchidos os requisitos do § 13 do mesmo artigo, a operadora não está obrigada à cobertura, pois o dispositivo aplica-se apenas a tratamentos e procedimentos excluídos do plano-referência por não estarem previstos no rol da ANS, não às exceções legais já fixadas pelo caput.
A quem essa decisão interessa
A decisão da Terceira Turma do STJ interessa, em primeiro plano, às operadoras de planos de saúde. Ela reforça uma linha interpretativa que vinha ganhando corpo e oferece respaldo para negativas de cobertura quando se tratar de medicamento de uso domiciliar, fora do rol da ANS. Com isso, operadoras encontram margem para revisar protocolos internos e ajustar cláusulas contratuais à exceção prevista no art. 10, VI, da Lei 9.656/1998, sem que isso configure, automaticamente, abusividade. O posicionamento também impacta profissionais da saúde, sobretudo médicos que prescrevem canabidiol em ambiente ambulatorial. A decisão reafirma que a indicação clínica, isoladamente, não é suficiente para obrigar a cobertura, salvo se houver enquadramento claro nas exceções legais ou contratuais. Essa delimitação exige que prescritores estejam atentos à forma de administração e ao contexto assistencial do uso recomendado.
Contexto fático-jurídico
O ponto central da controvérsia gira em torno da exigibilidade, pelas operadoras de planos de saúde, da cobertura de medicamentos à base de canabidiol administrados em ambiente domiciliar. A demanda que originou o julgamento envolvia uma paciente diagnosticada com transtorno do espectro autista, cujo tratamento multidisciplinar incluía prescrição de pasta de canabidiol — substância não listada no rol de procedimentos da ANS e de uso exclusivo fora do ambiente hospitalar.
Desde a redação original da Lei 9.656/1998, a exclusão dos medicamentos de uso domiciliar da cobertura obrigatória foi uma escolha legislativa clara. O art. 10, VI, da norma delimita expressamente essa exceção, ainda que o §13 do mesmo artigo preveja hipóteses em que a ausência do item no rol da ANS não exclui automaticamente o dever de custeio. O desafio interpretativo, portanto, esteve em conciliar esses dispositivos sem esvaziar o limite que o legislador impôs à cobertura obrigatória.
Na prática, muitos consumidores e profissionais de saúde passaram a invocar o §13 como base para exigir judicialmente o fornecimento de medicamentos de uso domiciliar, desde que prescritos e dotados de eficácia comprovada. Essa leitura, no entanto, tornava excepcional aquilo que a norma pretendeu deixar como regra: a não obrigatoriedade de custeio de fármacos de administração fora da unidade de saúde.
O STJ, ao julgar o caso, restaurou essa distinção, destacando que o modo de administração é elemento essencial para caracterizar a exceção. Embora existam precedentes do próprio Tribunal favoráveis à cobertura do canabidiol, a Terceira Turma distinguiu o presente caso pela natureza ambulatorial do uso. Não se tratava de tratamento realizado sob supervisão médica contínua nem em regime de internação domiciliar, como autorizam o art. 12, II, “d”, da Lei 9.656/1998 e o art. 13 da Resolução ANS 465/2021.
Ao reconhecer essa diferença, o colegiado evitou ampliar, por interpretação, a lista de exceções legais, mantendo o equilíbrio entre proteção ao consumidor e segurança jurídica para as operadoras.
O que o STJ levou em conta
Ao afastar a obrigatoriedade de cobertura do medicamento à base de canabidiol, a Terceira Turma partiu de um ponto inequívoco: a administração domiciliar do fármaco. Para o colegiado, esse dado isolado já desloca a situação da proteção mínima obrigatória prevista na Lei dos Planos de Saúde. O art. 10, VI, estabelece, como regra, a exclusão de medicamentos de uso fora da unidade de saúde, salvo exceções expressas em lei, contrato ou norma da ANS. E nenhuma dessas exceções, segundo o voto vencedor, se aplicava ao caso analisado.
Outro ponto determinante foi a interpretação sistemática entre o caput do art. 10 e seu §13. Embora este último preveja a cobertura de tratamentos não listados no rol da ANS, sua incidência está condicionada a contextos distintos daquele dos medicamentos de uso domiciliar. Aceitar que o §13 se sobrepõe à regra geral, como queriam os recorrentes, seria reescrever a lei pela via judicial, subvertendo a lógica de exceção que o legislador quis manter para esse tipo de fármaco.
O STJ também rechaçou a tentativa de afastar a natureza domiciliar da medicação com base em sua composição ou finalidade terapêutica. A decisão destacou que o critério determinante não é o princípio ativo, mas a forma de administração. Ainda que haja jurisprudência favorável à cobertura do canabidiol em outros cenários, quando administrado em ambiente hospitalar ou sob internação domiciliar supervisionada, a Corte reiterou que tais hipóteses seguem parâmetros legais próprios, e não se confundem com o caso concreto.
Por fim, a Turma invocou a necessidade de respeitar o equilíbrio contratual e regulatório da saúde suplementar. Estender, por analogia ou interpretação extensiva, a cobertura obrigatória a medicamentos como o canabidiol domiciliar, fora do rol e sem previsão contratual, comprometeria a previsibilidade dos custos e o modelo mutualista dos planos de saúde. A decisão, portanto, reafirma o papel dos limites normativos como baliza legítima da atuação das operadoras.
Efeitos imediatos para as empresas
O precedente da Terceira Turma representa um reforço argumentativo expressivo para as operadoras de planos de saúde. A decisão reitera a validade da negativa de cobertura de medicamentos de uso domiciliar à base de canabidiol quando não há previsão legal, contratual ou normativa específica. Com isso, consolida-se um entendimento que vinha sendo construído em outros julgados da Corte, delimitando com maior precisão os contornos do dever de custeio no setor.
Na prática, operadoras passam a contar com maior segurança jurídica para recusar pedidos de fornecimento de canabidiol nesses moldes, sem que isso implique, por si só, responsabilidade civil ou caracterização automática de dano moral. Essa estabilidade é crucial diante do aumento de demandas que buscam judicializar o acesso ao fármaco, especialmente em tratamentos de longo prazo ou de uso contínuo. A distinção entre o mérito terapêutico do medicamento e o dever de cobertura contratual ganha, aqui, um marco relevante.
Além disso, a decisão contribui para conter o avanço de entendimentos judiciais que vinham utilizando o §13 do art. 10 como base para ampliar, sem mediação legal, o escopo da cobertura obrigatória. Ao reafirmar que o dispositivo não afasta o regime de exceções do caput do artigo, o STJ fornece uma diretriz clara para Tribunais locais, o que tende a diminuir decisões contraditórias ou concessões liminares descoladas do marco legal vigente.
Por fim, o precedente exige que as operadoras revisem seus fluxos de análise de cobertura, especialmente em casos de canabidiol e outros medicamentos inovadores ainda não incluídos no rol da ANS. Embora a decisão traga alívio regulatório, o dever de fundamentar adequadamente as negativas permanece intacto. A ausência de justificativa técnica ou contratual clara ainda pode ensejar judicialização, e, em certas hipóteses, indenização.
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