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STJ reafirma prescrição decenal na responsabilidade civil por vícios construtivos

  • Foto do escritor: Benites Bettim Advogados
    Benites Bettim Advogados
  • 31 de jul.
  • 5 min de leitura
Rachadura em parede de concreto revela tijolos e ferragens internas, simbolizando vício construtivo oculto e a prescrição decenal na responsabilidade civil.

Decisão em um parágrafo


Em 28 de abril de 2025, a Quarta Turma do STJ, por unanimidade, julgou o AgInt no AREsp 2.499.655/MS e fixou entendimento no sentido de que a pretensão de indenização por vícios construtivos em imóvel submetido a contrato de compra e venda se submete ao prazo prescricional de dez anos, conforme previsto no art. 205 do Código Civil. A Corte afastou a aplicação do prazo trienal do art. 206, § 3º, V, do mesmo diploma, reafirmando jurisprudência consolidada segundo a qual, ausente regra específica no Código de Defesa do Consumidor para reparação de danos materiais decorrentes de inadimplemento contratual, incide o prazo geral de prescrição civil.


A quem essa decisão interessa


A definição, pelo Superior Tribunal de Justiça, de que incide a prescrição decenal na responsabilidade civil por vícios construtivos, em primeiro plano, as construtoras e incorporadoras imobiliárias. A consolidação desse entendimento amplia o período de responsabilização civil decorrente do descumprimento das obrigações contratuais, impondo um novo patamar de exposição jurídica para empresas do setor. Na prática, empreendimentos entregues há quase uma década poderão ainda ensejar pedidos de reparação material, desde que o vício tenha se manifestado dentro do prazo de garantia técnica previsto no art. 618 do Código Civil. Isso pressiona os agentes do mercado a reforçar os controles internos de qualidade, revisão de cláusulas contratuais e políticas de atendimento pós-venda.


No sentido oposto, o julgamento interessa de maneira decisiva aos compradores de imóveis que, ao longo dos anos, constataram falhas estruturais ou vícios construtivos relevantes em seus bens. Também são alcançados consumidores vinculados a programas habitacionais de interesse social, sobretudo quando há participação ativa de instituições financeiras no processo construtivo ou na intermediação dos contratos.


Contexto fático-jurídico


A delimitação do prazo prescricional para ações indenizatórias por vícios construtivos tem sido objeto de controvérsias recorrentes no contencioso imobiliário, especialmente no âmbito de programas habitacionais de larga escala e empreendimentos de incorporação destinados ao público de renda média e baixa. Em um número crescente de casos, construtoras vêm sendo acionadas judicialmente anos após a entrega do imóvel, com base em alegações de vícios estruturais que, segundo os autores, só se manifestaram de forma tardia. A ausência de critério jurisprudencial uniforme sobre o prazo aplicável a essas pretensões vinha alimentando uma jurisprudência instável e, por consequência, dificultando a gestão de riscos jurídicos por parte dos agentes do setor.


Essa instabilidade decorre, em grande parte, da sobreposição de regimes jurídicos (Código Civil e Código de Defesa do Consumidor) e da ambiguidade quanto à natureza da pretensão deduzida: se seria ela regulada pela lógica do vício do produto (com prazos decadenciais e reparação simples), ou pelo inadimplemento contratual (com pretensão condenatória e prazo prescricional). Enquanto algumas decisões vinham reconhecendo a prescrição trienal do art. 206, § 3º, V, do Código Civil, outras adotavam o prazo quinquenal do art. 27 do CDC, e uma terceira corrente sustentava a aplicação do prazo decenal do art. 205, em razão da ausência de previsão específica para ações de cunho indenizatório fundadas em inadimplemento da obrigação de entrega do bem conforme os padrões contratados.


O risco para as construtoras estava na indefinição quanto ao marco temporal da responsabilidade civil decorrente da entrega do imóvel, sobretudo diante da possibilidade de reaparecimento de demandas mesmo após longos períodos. A judicialização tardia, muitas vezes fomentada por laudos extrajudiciais genéricos ou com base em vícios de natureza discutível, impunha custos elevados de defesa, comprometimento de garantias e impacto sobre a previsibilidade do passivo. Em contratos massificados, o acúmulo dessas ações se traduzia em efeitos diretos sobre a viabilidade econômica de novos projetos.


Foi nesse contexto que o STJ julgou o AgInt no AREsp 2.499.655/MS.


O que o STJ levou em conta


A Quarta Turma do STJ partiu de uma premissa central: a pretensão de indenização por vícios construtivos não se confunde com a mera reparação por defeito do produto, tal como definida no Código de Defesa do Consumidor. Quando o fundamento da demanda é o inadimplemento contratual, isto é, a entrega de um imóvel com desempenho abaixo dos padrões mínimos convencionados ou exigidos pela função do bem, a natureza da ação é condenatória, e o prazo a ser observado deve seguir a lógica da responsabilidade civil contratual. Nessa hipótese, incide o art. 205 do Código Civil, que prevê prazo prescricional de dez anos.


Esse entendimento afasta de forma expressa a aplicação do prazo trienal do art. 206, § 3º, V, do CC, típico das ações fundadas em responsabilidade extracontratual, e também delimita o espaço de aplicação do art. 27 do CDC, que trata de vícios do produto em perspectiva objetiva e imediata. Para o STJ, não cabe importar para o campo contratual os prazos reduzidos previstos para o fornecimento de bens de consumo em geral, sob pena de desvirtuar os regimes jurídicos e gerar insegurança na aplicação do direito civil das obrigações.


O precedente também reforça o cuidado que incorporadoras devem ter ao estruturar empreendimentos com múltiplos agentes envolvidos. Nos casos em que a instituição financeira atua além do financiamento, por exemplo, como coautora do projeto, fiscalizadora da execução ou responsável técnica, o STJ admite o reconhecimento da responsabilidade solidária. Trata-se, no entanto, de uma situação excepcional, restrita a casos nos quais o agente financeiro integra de forma ativa o núcleo da execução contratual, como ocorre em empreendimentos voltados à política habitacional de baixa renda.


Consequências práticas da decisão


Ainda que não julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o acórdão proferido no AgInt no AREsp 2.499.655/MS reforça uma linha jurisprudencial que se consolida de forma consistente no Superior Tribunal de Justiça. A reafirmação do prazo prescricional decenal para pretensões indenizatórias decorrentes de vícios construtivos, desde que respeitado o prazo de garantia previsto no art. 618 do Código Civil, oferece parâmetros mais claros para a administração do risco jurídico em empreendimentos imobiliários.


Para incorporadoras e construtoras, a decisão sugere a necessidade de atenção renovada aos passivos que podem surgir até uma década após a entrega do imóvel. Embora não constitua orientação vinculante, o entendimento reiterado pela Quarta Turma contribui para o fortalecimento de uma jurisprudência que reconhece o inadimplemento contratual como núcleo da responsabilidade por vício de obra, afastando a aplicação de prazos mais curtos ou de natureza decadencial.


Essa distinção tem implicações práticas importantes. Ao situar a discussão no campo da responsabilidade contratual, e não extracontratual ou puramente consumerista, o STJ preserva o vínculo entre o vício construtivo e a obrigação de resultado assumida pelas incorporadoras no momento da contratação. Esse enquadramento tende a ampliar o horizonte de exposição jurídica e pode influenciar tanto a modelagem contratual de novos projetos quanto os critérios de provisionamento contábil para litígios futuros.


Embora cada caso continue a demandar análise individualizada, a consolidação de precedentes como este reduz a margem de controvérsia sobre o regime prescricional aplicável. Para agentes do setor imobiliário, isso representa uma oportunidade de aprimorar a governança jurídica de seus empreendimentos, sobretudo no que se refere ao acompanhamento pós-obra e à estruturação de garantias construtivas compatíveis com a duração efetiva do risco assumido.


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