A Lei nº 14.905/2024 e a padronização dos juros civis
- Benites Bettim Advogados
- 10 de jul.
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A Lei nº 14.905/2024 introduziu mudanças estruturais no regime jurídico dos juros moratórios incidentes em condenações cíveis. Em vigor desde agosto, a norma alterou o Código Civil para definir que, na ausência de cláusula contratual específica, os juros devem ser calculados com base na Taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária, que passa a ser o IPCA. Com isso, substitui-se um conjunto fragmentado de práticas por um padrão único e aplicável nacionalmente.
Até então, o artigo 406 era interpretado de forma dispersa. Alguns julgados aplicavam a taxa legal de 1% ao mês, outros recorriam aos juros das operações de crédito fixados pelo Banco Central, além de interpretações por analogia. Essa multiplicidade enfraquecia a previsibilidade dos passivos judiciais e aumentava os custos de estimativa e provisão, especialmente em contextos de contencioso expressivo. A uniformidade nas decisões tornava-se difícil, e o risco financeiro se amplificava.
Com a nova redação, o artigo 406 estabelece uma metodologia objetiva. A aplicação da Selic, com dedução do IPCA, passa a reger todas as hipóteses de omissão contratual. O efeito imediato é o esvaziamento das disputas sobre o índice de juros e a consolidação de um único critério de cálculo. A responsabilidade pela precisão recai sobre quem apura, não sobre quem julga. Empresas que não ajustarem seus parâmetros técnicos ficam expostas a falhas que comprometem sua posição em juízo.
Além do artigo 406, a lei reformulou outros dispositivos. O novo parágrafo único do artigo 389 define o IPCA como índice padrão de atualização monetária sempre que ausente convenção entre as partes. Os artigos 591 e 1.336 passaram a remeter expressamente à regra geral, estendendo a fórmula legal a contratos de mútuo e obrigações condominiais. A sistematização atinge, portanto, não apenas condenações judiciais, mas também a estrutura ordinária das obrigações civis.
Esse modelo normativo não admite mais cláusulas genéricas como válvula de escape. A referência a “juros legais” implica, por força de lei, a aplicação da Selic deduzido o IPCA. Essa automação do critério legal elimina espaços interpretativos e obriga a revisão dos contratos em vigor. A omissão na redação contratual, que antes alimentava discussões, agora resulta em consequência jurídica direta.
Empresas com alta exposição a obrigações civis precisam reavaliar não apenas suas cláusulas padrão, mas também os mecanismos que operam o cálculo de encargos. A mudança impõe o realinhamento de sistemas de provisão, softwares financeiros e fluxos internos de controle. Pareceres contábeis, relatórios de auditoria e projeções de passivo também devem ser ajustados à nova métrica legal.
O erro, mesmo quando mínimo, pode ser explorado em revisões processuais ou perícias técnicas, com reflexos concretos na estratégia contenciosa.
Com a padronização, a litigiosidade sobre o índice aplicável tende a desaparecer. A definição do valor da condenação, antes sujeita a variações judiciais, agora depende somente da exatidão dos métodos internos.
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