Marcas: quando marcas semelhantes podem coexistir?
- Benites Bettim Advogados
- 9 de set.
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A regra geral e suas exceções
O sistema de proteção marcária brasileiro parte de um princípio claro: cada marca registrada deve ter exclusividade dentro de sua classe de atuação. A Lei nº 9.279/1996, ao disciplinar os direitos e deveres relativos à propriedade industrial, proíbe expressamente o registro de sinais idênticos ou semelhantes capazes de gerar confusão em um mesmo segmento de mercado. O fundamento dessa vedação é a preservação da lealdade concorrencial e a proteção do consumidor diante de possíveis equívocos de identificação.
Esse critério de exclusividade, porém, não deve ser interpretado de forma absoluta. Embora a regra seja restritiva, o próprio sistema admite situações em que marcas semelhantes podem coexistir sem comprometer a função essencial do instituto, que é diferenciar produtos ou serviços no mercado. É nesse ponto que surgem os debates mais relevantes, pois não raramente o empreendedor se depara com um nome já registrado e acredita que isso encerra, de imediato, qualquer possibilidade de proteção.
Na prática, a análise é mais complexa. A existência de um registro anterior impõe cautela, mas não necessariamente impede o depósito de uma nova marca. O exame realizado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) envolve critérios técnicos, que vão além da mera comparação entre sinais nominativos. Elementos como a classe, o grau de distintividade do termo e a forma de utilização podem ser decisivos para o deferimento ou indeferimento do pedido.
Essa abertura de exceções decorre do equilíbrio que o sistema precisa manter entre a tutela do consumidor e a liberdade de concorrência. A proteção não é ilimitada e deve ser compatível com o espaço legítimo de atuação de outros agentes econômicos. A partir dessa perspectiva, a discussão sobre coexistência deixa de ser apenas uma questão formal de nomenclatura e passa a envolver uma análise substancial sobre o mercado, o público e a natureza da marca em exame.
O princípio da especialidade
A exclusividade conferida a uma marca não se estende de forma ilimitada a todo o mercado. A proteção é delimitada pelo chamado princípio da especialidade, que vincula o alcance do registro ao ramo específico de produtos ou serviços identificado no processo. É esse critério que permite compreender por que sinais idênticos ou semelhantes podem coexistir quando atuam em segmentos distintos, sem risco de confusão para o consumidor.
O Brasil adota a Classificação Internacional de Nice, que organiza produtos e serviços em 45 classes. Essa divisão funciona como parâmetro inicial para o exame de registrabilidade, mas não esgota a análise. O fato de duas marcas estarem em classes diferentes é forte indício de que não haverá sobreposição de mercado, mas ainda assim o INPI avalia se a semelhança entre os sinais pode induzir o público a erro em razão da proximidade entre os setores.
Esse princípio também evidencia que a proteção da marca não tem caráter meramente formal. O registro não é um título de propriedade desvinculado da realidade econômica; ele existe para assegurar a função de identificação no ambiente concorrencial. Por isso, a avaliação sobre a possibilidade de coexistência precisa considerar tanto a classificação técnica quanto a percepção concreta do consumidor diante da marca.
Na prática, o princípio da especialidade impõe um duplo filtro: de um lado, delimita o alcance da exclusividade ao setor em que a marca atua; de outro, exige que essa delimitação seja aplicada com razoabilidade, observando a efetiva distância entre os mercados envolvidos. Esse equilíbrio é o que sustenta a possibilidade de convivência de sinais semelhantes em contextos distintos, sem perda da segurança necessária ao sistema marcário.
A análise de distintividade
Quando duas marcas atuam dentro da mesma classe, a possibilidade de coexistência torna-se mais restrita. Nesses casos, o critério central passa a ser a análise de distintividade, isto é, a verificação de até que ponto a semelhança entre os sinais pode induzir o consumidor a erro quanto à origem dos produtos ou serviços. Essa avaliação não se limita ao confronto literal entre os nomes, mas abrange aspectos como grafia, fonética, tradução e até o contexto de utilização no mercado.
O grau de distintividade do sinal exerce papel decisivo nessa análise. Marcas consideradas “fortes”, por serem originais e de alta capacidade de diferenciação, recebem proteção mais ampla. Já aquelas formadas por expressões comuns ou sugestivas, denominadas “fracas”, suportam um escopo menor de exclusividade, admitindo convivência com outros sinais semelhantes. Esse entendimento tem sido reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a necessidade de flexibilizar a proteção em situações em que o termo utilizado é de uso corrente.
Outro fator relevante é a natureza do público consumidor. Se o segmento em questão exige maior especialização ou atenção, como no caso de bens de alto valor ou de uso restrito, a margem de risco para confusão tende a ser menor. O mesmo raciocínio se aplica quando a diferenciação entre os produtos ou serviços é clara, ainda que estejam formalmente inseridos na mesma classe de registro. Nesses contextos, a coexistência pode ser admitida sem prejuízo à função essencial da marca.
A análise de distintividade, portanto, não é um exercício mecânico, mas uma ponderação técnica sobre a real possibilidade de engano. Ao adotar esse critério, o sistema de proteção marcária busca equilibrar a exclusividade legítima de quem registrou primeiro com a necessidade de evitar monopólios desproporcionais sobre termos de uso comum ou de baixa originalidade. Esse equilíbrio é o que permite a convivência de sinais semelhantes em situações pontuais e juridicamente defensáveis.
O papel da territorialidade
Além da especialidade, outro critério que limita a exclusividade da marca é o princípio da territorialidade. Ele estabelece que a proteção conferida pelo registro só produz efeitos dentro do território onde foi concedida. No Brasil, isso significa que a marca registrada no INPI tem alcance nacional, mas não gera automaticamente direitos em outros países. Da mesma forma, marcas estrangeiras precisam de registro local para obter tutela no mercado brasileiro.
Esse princípio explica por que marcas idênticas podem coexistir em diferentes países, sem que isso configure conflito de direitos. Cada jurisdição analisa o pedido de acordo com suas próprias normas e a extensão territorial de sua proteção. No plano interno, esse critério também se conecta à disciplina do nome empresarial, que, conforme o art. 1.166 do Código Civil, tem tutela restrita ao estado em que foi registrado, salvo quando ampliada por registro em outros entes federativos.
A territorialidade também se reflete em disputas envolvendo operações de alcance regional. É possível que duas empresas utilizem sinais semelhantes em áreas distintas do país sem gerar concorrência direta, ainda que a formalização de registro posterior possa impor limites a esse uso. Nesses casos, a boa-fé e a anterioridade de utilização prática da marca são elementos que podem ser decisivos para garantir direitos de continuidade.
Portanto, a convivência de sinais semelhantes precisa ser lida também à luz do espaço territorial em que atuam, de modo a evitar tanto a sobreposição indevida de direitos quanto a restrição desproporcional da liberdade de iniciativa.
Avaliação caso a caso
A possibilidade de coexistência entre marcas semelhantes não se resolve por regras absolutas. Cada situação demanda exame técnico individualizado, que leve em conta a classe de produtos ou serviços, o grau de distintividade do sinal, a área de atuação das empresas e a boa-fé no uso anterior. Em determinados cenários, soluções como ajustes na descrição das atividades ou até a celebração de acordos de convivência podem viabilizar o registro sem prejuízo à segurança jurídica.
Essa análise criteriosa é indispensável para evitar tanto a perda de um direito legítimo quanto o risco de indeferimento por parte do INPI. O processo de registro e defesa de marcas exige conhecimento especializado para identificar os limites da exclusividade e, ao mesmo tempo, preservar o espaço necessário para que a empresa continue crescendo com solidez.
No ambiente de negócios, a marca é um ativo que sustenta identidade, reputação e competitividade. Tratar sua proteção de forma superficial pode gerar restrições desnecessárias ou litígios que poderiam ter sido prevenidos por uma estratégia bem estruturada.
O Benites Bettim Advogados atua justamente nesse ponto de interseção entre técnica e pragmatismo. Nossa equipe avalia cada caso de forma individual, orientando sobre riscos, alternativas e caminhos jurídicos adequados. Se sua empresa enfrenta dúvidas ou obstáculos no processo de registro de marca, conte conosco para construir uma solução segura e compatível com a realidade do seu negócio.
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