Caso Rosewood São Paulo: o que a disputa entre sócios revela sobre propriedade intelectual e riscos estratégicos
- Benites Bettim Advogados
- 24 de abr.
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Em disputa judicial que ganhou repercussão nacional, o empresário francês Alexandre Allard — idealizador do projeto do hotel de luxo Rosewood São Paulo — acusa seus sócios da holding chinesa CTF (Chow Tai Fook Enterprises Limited) de usurpação de autoria intelectual e de prática de espionagem empresarial. O centro da controvérsia está no projeto arquitetônico, artístico e conceitual do Rosewood: Allard afirma ter sido o responsável por toda a concepção original do empreendimento, antes da entrada dos sócios chineses.
Segundo ele, houve não apenas a tentativa de replicar o projeto em outros empreendimentos sem sua autorização, mas também ações deliberadas para diluir sua participação societária, com o objetivo de reduzir sua influência e controle sobre o negócio. Trata-se, portanto, de uma disputa societária com forte carga simbólica, envolvendo autoria, propriedade e poder decisório — e que toca diretamente na ausência de uma governança sólida e bem pactuada entre os sócios.
A situação se agravou com outra acusação grave: o acesso não autorizado ao notebook da advogada de Allard por uma executiva da empresa que administra o hotel. O equipamento, segundo os autos, continha documentos sobre uma oferta de debêntures — e sua violação, caso confirmada, pode configurar espionagem empresarial, com implicações cíveis e criminais relevantes. A acusação levanta uma questão sensível sobre a integridade da governança e os limites éticos em disputas entre sócios.

O que está em jogo: muito além da autoria
Mais do que uma disputa societária, o caso expõe uma vulnerabilidade recorrente em empresas de médio e grande porte: a ausência de uma estratégia jurídica clara e preventiva para a proteção do valor da propriedade intelectual. Especialmente em negócios onde há criação de conceito, identidade visual, arquitetura, branding ou experiências sensoriais diferenciadas — como é o caso do setor hoteleiro de luxo — o capital criativo é parte essencial do valor do negócio. Mas nem sempre é tratado como tal.
Em muitas empresas, contratos de sociedade e acordos de confidencialidade deixam lacunas sobre a titularidade de projetos, a cessão de direitos autorais, o uso futuro de expressões criativas e a proteção contra apropriação indevida. É importante lembrar: o Direito não protege ideias soltas — ele protege a expressão concreta dessas ideias, como obras arquitetônicas, marcas registradas, textos, imagens, nomes comerciais e outros elementos formalizados.
Essas lacunas, quando não geridas preventivamente, costumam vir à tona em momentos de tensão: disputas societárias, saídas de sócios, reestruturações ou desacordos comerciais. E, uma vez instaurado o conflito, é comum que não haja registros claros, cláusulas protetivas ou evidências documentadas suficientes para garantir o direito de quem criou.
Governança: a ausência que transforma atrito em crise
No caso do Rosewood São Paulo, o argumento de Allard está justamente na originalidade da concepção artística, que teria sido registrada e documentada previamente. Trata-se de um projeto carregado de elementos simbólicos — tanto no campo estético quanto na construção narrativa do hotel como um espaço de sofisticação e singularidade. Reproduzir esse conceito sem autorização não é apenas um possível descumprimento contratual. É uma ameaça direta à identidade do negócio.
A acusação de espionagem, por sua vez, acende outro alerta importante: a proteção das comunicações estratégicas no contexto de governança empresarial. Quando ferramentas de gestão e informação (como notebooks corporativos, e-mails e repositórios compartilhados) não são geridas com critérios de segurança jurídica, torna-se fácil — e tentador — extrapolar limites éticos e legais na disputa por controle societário. O suposto acesso indevido ao notebook da advogada de Allard, se confirmado, representa um grave rompimento da confiança entre os envolvidos, além de possível violação do sigilo profissional e de direitos fundamentais.
Episódios como esse também impactam diretamente a reputação de todos os envolvidos. Em setores sensíveis ao capital simbólico — como hospitalidade, luxo, gastronomia, design, moda e tecnologia — a percepção de originalidade, exclusividade e autoria é um ativo intangível que pode ser corroído por disputas mal geridas. Um projeto que nasce como ícone pode se tornar alvo de ceticismo e desconfiança se os bastidores forem marcados por conflitos públicos e acusações cruzadas.
E neste ponto, volta à tona a questão da diluição societária. Não se trata apenas de uma disputa jurídica por participações. Trata-se de uma ruptura de confiança com impacto direto na continuidade do negócio. O conflito de controle, quando mal administrado, não expõe apenas a fragilidade contratual — expõe a ausência de um modelo de governança preparado para lidar com divergências de visão, cultura e objetivos.
A falta de estrutura legal no momento da criação
É comum que empreendedores em fases iniciais de projeto negligenciem formalizações jurídicas com o argumento de que “estão entre parceiros”. Confiança pessoal, alinhamento de visão e entusiasmo inicial costumam ser a base dessas relações. Mas quando o projeto cresce, ganha valor e se torna objeto de desejo de terceiros — inclusive de potenciais investidores ou compradores — tudo o que não foi registrado vira espaço de disputa.
No caso do Rosewood, Allard alega que o projeto original foi concebido antes da entrada dos sócios chineses. Se não houve registro adequado ou contrato que regulasse a autoria e o uso da propriedade intelectual naquele momento, será necessário reconstruir essa história em juízo — com todos os custos, inseguranças e desgastes envolvidos. É um exemplo clássico de como o jurídico pode ser negligenciado no começo e se tornar decisivo no fim.
O que deveria ter sido feito: governança jurídica como prevenção
A lição mais importante que o episódio deixa é que propriedade intelectual não deve ser tratada como um tema periférico ou restrito ao setor criativo. Em negócios complexos, ela se entrelaça com a estratégia, a reputação, o valuation e a própria continuidade da operação. E sua gestão exige um sistema de governança robusto, capaz de mediar disputas, preservar registros, formalizar intenções e antecipar riscos.
Seja no contrato social, no acordo de sócios, nos contratos com fornecedores ou nos documentos de governança, a propriedade intelectual precisa ser definida, protegida e valorizada desde o início. É ela que amarra, simbolicamente e juridicamente, a identidade e a autoria do negócio.
Proteger esse ativo exige uma abordagem que combine sensibilidade estratégica e rigor técnico. Não basta registrar uma marca. É necessário revisar cláusulas contratuais, formalizar direitos de criação, definir políticas de confidencialidade, estabelecer protocolos de segurança da informação e antecipar cenários de disputa. E mais do que isso: é necessário garantir, desde a origem, que as decisões estratégicas da empresa estejam cercadas por estruturas de governança sólidas, com mecanismos transparentes para lidar com divergências de poder, controle e visão de futuro.
Uma consultoria jurídica empresarial que compreende o valor intangível das ideias e a complexidade das relações societárias pode ser o diferencial entre preservar um legado e vê-lo diluído — juridicamente e simbolicamente — em uma disputa judicial longa, desgastante e pública.
Governança e propriedade intelectual caminham juntas
O caso Rosewood São Paulo evidencia um ponto crítico: falhas na gestão da propriedade intelectual e na estrutura de governança não se limitam ao departamento jurídico — elas afetam a confiança entre sócios, o valor da marca e a sustentabilidade do negócio. Tratar a PI como uma frente estratégica de governança é, hoje, um imperativo para empresas que operam com ativos criativos, diferenciais reputacionais e modelos de negócio baseados em intangíveis.
Se sua empresa desenvolve ideias, experiências, conceitos ou marcas próprias, talvez esteja na hora de revisar como esses ativos estão protegidos. E, mais do que isso, revisar se sua governança está preparada para sustentá-los. Não apenas no papel — mas na prática, nos contratos, nos processos e nas relações.